Badaró entrevista José Dirceu

Em entrevista exclusiva, ex-ministro-chefe da Casa Civil falou sobre cenário político da América Latina, Bolsonaro, pandemia, perspectivas para 2022, Lula e erros do PT

Por Leopoldo Neto, Norberto Liberator e Vitória Regina
Colaborou Marina Duarte

“— Mas ô, Dirceu, por que estás tão triste?
Mas o que foi que te aconteceu?
— Foi a Heloísa, que dedou a turma
Fez bilhetinhos e a turma prendeu”

Paródia da marchinha “A Jardineira”, de Orlando Silva, em ironia ao então líder estudantil José Dirceu (atribuída a militantes da Ação Popular)

O semblante sereno, como de costume, poderia confundir. De barba e cabelos longos, José Dirceu, 22, presidente da União Estadual de Estudantes (UEE) de São Paulo, parecia tranquilo e até sorria dentro do carro que o levava à prisão no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), como mostram as fotos registradas naquele 12 de outubro de 1968. Internamente, é possível que lhe passasse um filme à cabeça. Os últimos meses haviam sido intensos para o jovem, cuja história viria a se confundir com a de pelo menos cinco décadas da esquerda brasileira. 

Em sintonia com Paris e outras grandes cidades do mundo, São Paulo vivia uma onda de radicalização do movimento estudantil. Em um período de aproximadamente quatro meses, houve a infiltração de uma informante da ditadura na vida afetiva de Dirceu, a “Batalha da Maria Antônia” e a prisão de mais de mil acadêmicos no congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, interior de São Paulo.

A sequência de episódios tensos, enrascadas e reviravoltas fez do ano de 1968 uma tragédia grega para a militância de esquerda nas universidades e escolas. De grego, inclusive, eram as aulas que ocorriam na sala conhecida como “antro do Zé Dirceu”, no curso de filosofia da Universidade de São Paulo (USP), onde o líder estudantil — que estudava Direito na PUC — costumava dormir para se proteger de possíveis ataques do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Foi naquela sala que Dirceu percebeu pela primeira vez um plano para capturá-lo, ao notar que a jovem Heloísa “Maçã Dourada”, com quem passava uma noite, desarmou com muita habilidade a pistola que ele deixava em sua cabeceira. Não demorou até a garota admitir que foi contratada pelo Dops para conseguir informações do militante, cujo “fraco” por mulheres era conhecido para além do ambiente universitário. Heloísa foi mantida em cárcere, por cinco dias, pelos acadêmicos que ocupavam o prédio do curso de filosofia da USP e liberada no dia 9 de junho, em evento que contou com coletiva de imprensa.

A chamada “Batalha da Maria Antônia” ocorreu em outubro daquele ano. Na histórica rua paulistana, estudantes de esquerda e de direita protagonizaram um confronto físico direto. Embora se tenha propagado que a briga era entre acadêmicos da USP e da Mackenzie, Dirceu afirma que, na verdade, ela opôs de um lado militantes de esquerda que estavam na ocupação do prédio de filosofia e, do outro, membros do CCC. A foto do então dirigente estudantil com a camisa ensanguentada do secundarista José Guimarães, morto naquela ocasião, tornou-se emblemática.

O famoso Congresso de Ibiúna ocorreu naquele mesmo outubro. O evento clandestino foi desmantelado pela Força Pública e pelo Dops, em cuja sede Dirceu, Luís Travassos e Vladimir Pereira ficaram detidos. Os demais foram encaminhados para o presídio Tiradentes. Mas a primeira prisão do comandante duraria menos de um ano. Após militantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e da Ação Libertadora Nacional (ALN) sequestrarem, em setembro de 1969, o embaixador estadunidense Charles Elbrick e pedirem uma lista de presos políticos em troca, Dirceu embarcou no Hércules 56 rumo ao México. De lá, partiu para o exílio em Cuba.

Antes mesmo da anistia, José Dirceu estava de volta ao Brasil, após cirurgias plásticas e usando identidade falsa, em 1975. Cinco anos depois, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), que aglutinava setores marxistas, social-democratas, católicos ligados à Teologia da Libertação e lideranças sindicais. “Cérebro” da legenda, articulou a campanha que levou à eleição do primeiro operário brasileiro a ser presidente da República, em cujo governo foi o homem-forte por três anos, à frente da Casa Civil. Condenado em processos contestados, durante julgamentos do Mensalão e da Lava Jato, nunca se retirou da vida política.

Na varanda da casa de suas filhas em Vinhedo (SP), Dirceu conversou com a Badaró por videoconferência. Trajando camisa do Corinthians, o ex-ministro falou sobre a política genocida de Jair Bolsonaro, rumos da esquerda na América Latina, frente ampla, estratégias para 2022, erros e acertos do PT, entre outros temas.

Badaró: Para começar, gostaríamos de falar sobre o panorama da América Latina. Na sua opinião, a pandemia é o motivo das ruas não estarem tomadas no Brasil? Considerando países como Chile, Bolívia, que tiveram manifestações durante a pandemia e o Brasil não está tendo. O Peru, por exemplo, está tendo uma eleição e bastante mobilização, com máscaras, é claro. Mas você acha que a pandemia é o fator que impede de ter uma grande mobilização no país? [A entrevista foi realizada antes das mobilizações contra Bolsonaro que ocorreram em todo o Brasil]

José Dirceu: Sim e não. Veja bem, o que aconteceu na América do Sul é um sinal de que o modelo que estão tentando implantar no Brasil não deu certo e não dará certo. Nós tivemos rebeliões muito noticiadas no Equador e no Chile; e tivemos a revolta popular e derrota dos golpistas em eleições históricas na Bolívia. Perderam na Câmara, no Senado e a Presidência da República, o MAS [Movimento ao Socialismo] fez maioria absoluta e [houve] a derrota do Macri na Argentina; e o empate no Uruguai. Agora um segundo turno muito disputado no Equador e esse resultado do Pedro Castillo no Peru. Na verdade, a rebelião na Colômbia foi a maior e mais demorada, mas a mídia escondeu muito pela importância da Colômbia, né?! A Colômbia é hoje praticamente o terceiro país da América Latina, depois do Brasil e do México e se equipara à Argentina. Esses são processos de falência do modelo neoliberal e também das instituições políticas elitistas, antidemocráticas, no caso do Chile que vai superar, por fim, a Constituição pinochetista. 

No nosso caso, precisamos relativizar. A pandemia é um fator desestruturante e imobilizador, mas nós passamos por um processo que foi o golpe – parlamentar e jurídico -, a Lava Jato, o processo sumário de política de exceção que levou à prisão do Lula e um ataque ao PT, que se você somar com a desestruturação que houve no mundo do trabalho ou com as mudanças radicais… porque são radicais, basta dizer que as três principais categorias mais numerosas são o emprego doméstico, segurança pública e trabalhadores de aplicativo. O país passou por um processo de desindustrialização e o peso do serviço é enorme. O movimento sindical sofreu um ataque muito frontal com a reforma trabalhista, previdenciária, flexibilização, terceirização, precarização e com o fim do imposto sindical. Bem, podemos dizer que era preciso superar o imposto sindical e não se pode depender do Estado para manter uma atividade política e partidária, porque nós temos um fundo eleitoral e um fundo partidário. 

A verdade é que essas transformações levaram a [que] metade da nossa população fosse desempregada ou informal e, grande parte da classe trabalhadora, super explorada. Mas, não nos iludamos, haverá luta. Não é da nossa realidade histórica… vamos pegar do golpe militar para cá. A minha geração lutou nas ruas em 65, 66, 67. A classe média progressista foi às ruas – professores, funcionários públicos, bancários, intelectuais, artistas. Os operários começaram a fazer grandes greves, uma das razões do Ato Institucional n.º 5. Não foi só a resistência armada de pequenos grupos que pegaram em armas contra a ditadura, nunca houve luta armada, guerrilha ou guerra civil no Brasil. Isso foi um pretexto dos militares para dar o golpe dentro do golpe. 

Apesar do terror, em 1974, o povo derrotou nas urnas a ditadura e a Arena, que já tinha derrotado em 1965 em Minas Gerais e no Rio, por isso o Ato Institucional n.º 2. [O Ato] colocou fim nos partidos políticos, nas eleições para presidente, governador, prefeito de capitais e áreas de segurança, impôs a censura e iniciou um segundo processo de repressão, pois já tinha tido um em 1964, com milhares de prisões, exílio, centenas de milhares de trabalhadores que entraram em listas, cassações de centenas de políticos, fechamento de sindicatos, da UNE, da UBES, censura à imprensa, expurgo de quase mil oficiais das forças armadas – o que é muito, pois tinha oito ou nove mil oficiais. Todas essas ondas repressivas não detiveram a luta e em 1975 a reconstrução da UNE, a luta contra a carestia, as pastorais, as grandes greves operárias, anistia, a derrota… A ditadura ia perder a presidência da República no colégio eleitoral em 72. Criou senador biônico, mudou os critérios para constituir os colégios eleitorais, para garantir as eleições dos governadores… e dos presidentes. Mas em 82, perdeu nas urnas as eleições para governador, depois dos prefeitos das capitais, daí nunca mais ganhou eleição. O MDB fez maioria na Câmara e no Senado em 86. 

E a década de 80 teve a campanha das Diretas, a luta da Constituinte; a década de 90… anos de luta contra o governo Fernando Henrique Cardoso. Haverá luta no Brasil. E há, já, um crescimento muito grande da oposição. A oposição ao Bolsonaro hoje é amplamente maioria no país, ele não ganha uma eleição… quase improvável, para não dizer que é impossível. Porque além da oposição popular… que não é pequena porque o Haddad, apesar de tudo, teve 37 milhões de votos, depois teve 45 [milhões] no segundo turno; se você somar os votos do Haddad, do Ciro e do Boulos, dá quase 45% dos votos. Haverá luta neste país porque há oposição. 

Além de tudo, há uma ampla oposição de direita liberal, de classe média conservadora, ao bolsonarismo também. E que não é pequena hoje no Brasil, inclusive está buscando – o centro – um candidato. Que já existe como eleitorado. Que não vota na esquerda, mas jamais votará no Bolsonaro. Acho que nós precisamos relativizar essa questão. É verdade, nós temos que superar muitas deficiências, erros das esquerdas, do movimento sindical… mas neste momento, já há um crescimento muito grande do ativismo político, da solidariedade, dos protestos que estão se expressando, disseminados por todo o país. Panelaço, buzinaço, pequenas carreatas… outdoors, pregação de cartazes, mas começa a crescer principalmente na solidariedade. Aos poucos vai se tecendo a resistência, a luta. 

Na medida em que, também, vai se tomando uma consciência do caráter do governo dele. Porque como a mídia monopolista brasileira tem um poder muito grande, nós tivemos um fator muito diferente no país, que é o fator religioso, é o fator da igreja neopentecostal, fator dessa base social conservadora, bolsonarista, moralista, vamos dizer assim… que não adianta você querer enfrentar com discussão religiosa, tem que enfrentar com a luta política e social, isso pesou muito. 

Então não atribuo totalmente à pandemia, mas evidentemente pode ser. Porque as nossas vanguardas se mobilizaram também na pandemia. E como no Brasil não houve uma política de vacinação, pelo contrário, [teve] de negação da vacina e do isolamento, e há um embate muito grande com setores empresariais que querem… ou do ensino ou do pequeno comércio… que querem a volta ao trabalho, independentemente do número de mortes, também isso pode ter afetado. Mas eu digo que afetou, mas não pode ser apontado como a causa principal. Acho que a causa principal está em nós mesmos. 

E tá também num nível de repressão e num nível de guerra que nós sofremos. Porque vamos lembrar que nós passamos sete anos nos defendendo. Sete anos sob guerra. Sob chantagem, sob pressão, sob terror, porque o que foi feito foi um terror. A Lava Jato não foi algo passageiro, entendeu? Foi algo estrutural e continua, viu? Apesar das decisões que reconheceram, por fim, a suspeição de Moro e anularam os processos do Lula, ela continua. Essa condenação do TCU ao José Sérgio Gabrielli é só um exemplo, tem centenas assim. Aqui, a correlação de forças, nós estamos numa defensiva estratégica, sofremos várias derrotas, inclusive em 16 e 18, eleitorais, e estamos nos reorganizando; retomando a luta. Vamos dizer assim. São fases históricas, períodos históricos.

Ministro, você estava discutindo a questão da resistência que houve à ditadura militar e esses 14 anos do PT no Poder Executivo foram muito emblemáticos porque houve dois presidentes, né, que atuaram ativamente na resistência a esse projeto da ditadura militar. Porém, quando o Lula e a Dilma estiveram no poder, eles não buscaram essa construção de uma reforma nas Forças Armadas, em um país que se marcou por uma transição de caráter liberal, e houve essa anistia, inclusive para os torturadores. Neste sentido, problemas estruturais foram se dando. Caso o PT volte à presidência da República, como o senhor pensa que o partido pretende lidar com a questão das Forças Armadas, levando em consideração que houve um golpe civil-militar na Bolívia e as características específicas das Forças Armadas brasileiras?

Veja bem. Para você mudar as Forças Armadas, você precisa ter um mandato constitucional. Você precisa ter maioria, fazer uma reforma constitucional. Essa é a verdade. Porque está inscrito, no artigo 142, duas atribuições das Forças Armadas que eu considero um erro gravíssimo, por isso que o PT assinou, mas votou “não” à Constituição, entre outras razões. A questão da terra, da anistia, da reforma do Judiciário, outras questões. Que é a GLO [Garantia da Lei e da Ordem] e esse mandato constitucional, que a atribuição das Forças Armadas seria a defesa dos poderes constituídos. Não é. E GLO não é atribuição de Forças Armadas, é função de uma Força Nacional permanente, em primeiro lugar, da Polícia Civil e da Federal. Que são polícias judiciárias. Em segundo, as polícias militares. São preventivas e repreensivas. Em terceiro, você tem a Força Nacional, que pode ser permanente, profissional, aerotransportada. Forças Armadas são pra defesa nacional. Forças Armadas não é poder moderador. 

O próprio Supremo teve que dizer isso, vocês lembram? Quando o ministro Luiz Fux disse isso? E há um sentimento, na nossa sociedade, de que os militares não podem fazer política. Nós precisamos transformar isso em lei. Não podem. Não podem fazer política. Outra questão é o papel das Forças Armadas como Forças Armadas e a reforma da Previdência que foi feita, que é um privilégio, o corporativismo… o Bolsonaro deu um aumento de 43%. O Temer tinha dado 23. Acabou de dar agora um terço dos investimentos de 2021 para as Forças Armadas. Deu mais 7,1 bilhões para o pessoal das Forças Armadas. Eles têm clubes próprios, escolas próprias, hospitais próprios, são 12 mil oficiais. Vai se transformar numa casta, metade se aposenta com 50 anos, a metade é filha e neta de militar. 

E eles deixaram claro, se você ler o livro-depoimento do [Eduardo] Villas Bôas, chefe espiritual do Exército até hoje. Eles voltaram com essa mania do Eduardo Gomes [militar e político brasileiro, patrono da Força Aérea nacional]. Reserva moral. Que é uma revelação que eles se consideram no direito de dizer ao poder civil, parlamento e judiciário o que fazer ou não. Se consideram acima da lei e da Constituição, porque se eles podem dizer se pode dar um habeas corpus ou não… E outro problema grave é que a média dos oficiais das Forças Armadas pensa como o Bolsonaro. Que é que diz o general Etchegoyen? Que o problema foi quando se faz a Comissão da Verdade e se quis discutir educação militar e as promoções… então o presidente comandante chefe das Forças Armadas é só o Bolsonaro, os outros não podem ser. Então, é grave esse problema. Agora, não se pode fazer bravata com isso, e nem se pode dar a ideia que nós somos contra as Forças Armadas. 

O problema não é esse, o problema é que ela não pode fazer política. E mais grave é a politização das PMs, porque na Bolívia quem deu o golpe foi a Política Militar, que é nacional. O comandante do Exército pediu renúncia. Lógico que condições pra dar um golpe, internacionais e dentro do Brasil hoje, não existem. Porque eu digo: há uma consciência inclusive em setores da direita, em setores das classes médias conservadoras, do perigo do militarismo. Porque o “Partido Militar”, não vou aqui descrever, que vocês conhecem a História do Brasil, mas só lembrar que eles tentaram dar golpe em 50. Não aceitaram a eleição do Getúlio, que precisava maioria absoluta, isso não existia no Brasil na Constituição. Deram golpe contra o Juscelino, o Lott deu um contragolpe. Deram golpe e levaram Getúlio ao suicídio um ano antes, mas o povo foi pras ruas e impediu o golpe, porque foi o povo que se revoltou contra o suicídio do Getúlio, apoiando o Getúlio. Deram tentativa de dois golpes em 57, deram golpe em 61 que o Brizola derrotou com a Campanha da Legalidade, com a brigada militar, armando parte do povo e com a divisão do Terceiro Exército. 

E conseguiram em 64 e ficaram no poder. Eles são parte contra a Dilma e da eleição do Bolsonaro. Aliás, o Villas Bôas confessa isso e vários deles agora. Vamos lembrar que 15 generais que passaram pro Estado Maior foram pro governo Bolsonaro. Agora dizer, como diz o Ministro da Marinha… querem agora nos vender que os militares não têm nada a ver. Têm sim! Apoiaram o Bolsonaro e, em média, têm as mesmas ideias que o Bolsonaro. Agora, não é uma questão, viu, que nós possamos resolver com declaração de intenção; tem que se construir no país uma consciência disso e uma maioria, porque é um projeto de Emenda Constitucional. Então, esse é o meu ponto de vista.

Ministro, você chegou a citar esses setores da direita liberal que querem cravar uma próxima candidatura que seja própria deles. Setores da mídia hegemônica e da política neoliberal têm procurado construir um candidato que se apresente como “centro” contra o que eles chamam de polarização entre o PT e o Bolsonaro. Geralmente são figuras mais identificadas com direita, como o Sérgio Moro, o Luciano Huck, o Luiz Henrique Mandetta, o João Doria, ou o Eduardo Leite, e uma exceção é o Ciro Gomes, que se apresenta como centro-esquerda, mas que acena cada vez mais para um eleitorado órfão do tucanismo tradicional e de eleitores arrependidos sobre Bolsonaro. Qual a sua opinião sobre essa busca da direita liberal por um nome e sobre o Ciro Gomes estar ali no meio disso, embarcando nessa?

Eu acho que é uma busca legítima, uma necessidade que eles têm porque eles não concordam com os nossos objetivos, com os nossos governos, nem com os nossos programas, porque eles não querem enfrentar o problema da concentração de renda, riqueza e da propriedade no Brasil. Se você observar o discurso deles, é antibolsonarista, que é um governo realmente obscurantista, fundamentalista religioso, militarizado, autoritário, porque não é só o PSDB, o DEM, o MDB que estão procurando construir isso, e esses nomes que você citou, né. Porque o Amoedo é de direita. 

Vamos dizer, o Mandetta, o Doria, porque o Ciro é outra questão, nós vamos analisar; mas o Eduardo Leite e o Doria são PSDB. O DEM teria o Mandetta ou o ACM Neto; os dois, mais o Cidadania, buscariam o Luciano Huck. Agora aparece aí o Gentili, que é um artista… É legítimo que seja candidato, direito dele, tem outros países em que artistas se elegeram, não vamos subestimar essas questões, o Bolsonaro se elegeu presidente. E parece que o inominável ex-juiz deu apoio a ele, e o Amoedo tem um diálogo com ele; eu diria, esse campo político já tem base social eleitoral, porque a base se desgarrou do PSDB; porque o Alckmin só teve 4,5% de votos, o Fernando Henrique ganhou duas eleições no primeiro turno. O Serra, o Alckmin e o Aécio fizeram mais de 35% de votos. 

Esse eleitorado já descolou do bolsonarismo, pela questão ambiental, pelo obscurantismo, ataque à ciência, à educação, à universidade, pela censura, pelo choque com a grande mídia, porque não trouxe resultados também, né? Qual resultado que o Bolsonaro trouxe pro Brasil até hoje? Nenhum! Nenhum! A não ser vender patrimônio, vender o Brasil do ponto de vista comercial-financeiro, ele tá apoiado na reprimarização da economia, exportação de commodities, tá apoiado em venda de ativos do Estado, em concessões e mais nada, porque na saúde, na educação, na ciência e tecnologia… Não vou nem falar das mulheres, dos negros e negras, dos direitos humanos, do meio ambiente, porque há devastação na Funai, no Incra, no Instituto Chico Mendes, na Ancine, na Funarte, no IBGE, nas universidades, nos institutos de pesquisa. 

O que tá de pé é porque os governadores e prefeitos protegeram. O que tá de pé é porque o Supremo e o Congresso também protegeram, porque se não fosse o Supremo, o Congresso e a oposição, ele já era um ditador, porque agora mesmo, quem é que tá desconstituindo esse ataque á democracia dele que é o armamentismo? porque ele quer armar uma base militante dele pra dar golpe. É este o nome, a politização das PMs idem, quando ele quer censurar, quando ele quer governar por decreto lei, quando ele quer acabar com a autonomia universitária, tudo isso foi o Supremo que impediu… Tem vários, pode citar 10, 15 mais outros casos, e o Congresso também. 

E esses partidos têm um problema: eles votam no Congresso com o bolsonarismo, eles votaram no Bolsonaro no segundo turno. Agora, eles existem, são uma alternativa e eu não os subestimo, do ponto de vista eleitoral como alternativa. Olha o que aconteceu no Equador, as eleições na Argentina foram equilibradas, a eleição na Bolívia foi equilibrada, antes do golpe, vocês se lembram, né? Teve a segunda depois do golpe e aí formou uma maioria, inclusive uma parte da classe média se voltou contra os golpistas. 

Eu acho que o Ciro é outra questão. O Ciro está tentando construir um caminho aliando com setores desses partidos, o problema é que se ele abraçar partidos como esses, ele não fará reformas estruturais no Brasil. Então ele pode dizer que ele é legítimo porque ele quer só reestabelecer a democracia no país – o que também é legítimo, você pode chegar numa situação no país que é um momento tão grave, que a esquerda e a centro-esquerda se unem pra tirar a extrema-direita autoritária, pode acontecer, mas não é o que tá acontecendo no Brasil, porque há uma alternativa ao bolsonarismo, de esquerda, que é o Lula, que pode constituir uma frente de esquerda capaz de vencer eleição. 

Então, a tese do Ciro também, ou o enunciado dele, ou a vontade dele encontra um fato real, porque acaba atraindo outros setores da sociedade e outros partidos políticos, certa força eleitoral do Lula, a base social-eleitoral do Lula, a experiência dele de governo, o prestígio dele internacional, a liderança dele – que nós podemos falar – na América Latina e também o legado dele. Então, vamos dizer assim, nós estamos vivendo esse momento, um pouco movediço, mas não é um momento de eleição, não é um momento de candidatura, é um momento agora de enfrentar a pandemia, nós estamos vivendo agora uma tragédia humanitária. Eu assisti a reunião do Diretório Regional do Mato Grosso, na semana passada; e antes do início da reunião, se fez um pequeno e singelo ato de memória, de tristeza, pela morte de petistas que morreram… É impressionante, devastador, quantas vezes a tela se encheu de fotos, estou falando de dirigentes de um partido. Nós estamos vivendo uma devastação, e uma crise social gravíssima de fome, pobreza, desemprego. 

Então, nós temos que nos concentrar agora em vacinar, em conseguir manter esse auxílio até o final do ano, em aumentá-lo, em apoiar a micro e pequena empresa. Aliás, acabou de aprovar uma emenda de um senador do PT, Rogério Carvalho, pro Pronamp e pro Probem e pro outro programa agora. Nós estamos lutando para um programa que apoie o turismo, que apoie toda a classe artística, cultural do país. Toda a produção artística e cultural do país, porque se nós não protegemos a economia e a saúde do trabalhador e o emprego… porque nós estamos na contramão do mundo, se vocês olharem a Europa e os Estados Unidos, não só faz isolamento e lockdown, como o Estado…

O Estado brasileiro tem mais de R$ 500 bilhões de lucro das reservas, talvez muito mais hoje. Tem centenas de bilhões em fundos que estão congelados. Tem recessão, tem uma demanda reprimida enorme no país, e o auxílio emergencial mostrou como evita o pior, tanto porque permite isolamento, como também evita a fome e o desemprego, evita que a economia entre num longo ciclo recessivo. Então, eu vejo assim essa questão.

Ministro, qual a sua opinião sobre a tão falada Frente Ampla? Você acha que vale todo tipo de apoio contra o Bolsonaro e contra o bolsonarismo?

Contra as políticas do Bolsonaro, você tem que… se todo mundo quer votar contra a censura, você tem que estar junto, se todo mundo quer votar contra o fim do piso saúde e educação, ou a maioria… tudo que nós aprovamos no Congresso e impedimos o pior não foi a esquerda, porque nós temos 130 deputados e 15, 18 senadores. Como é que nós impedimos o Estado policial do pacote anticrime, como é que nós impedimos que se desviasse recursos do Fundeb, como é que agora derrubamos vários vetos do Bolsonaro? Vocês viram esta semana. Evidente que é uma espécie de frente pontual contra o autoritarismo e o obscurantismo. Por que que a Escola Sem Partido não avançou? Por que que eles não avançam no autoritarismo deles? Porque em certos momentos, une a centro-direita com a centro-esquerda no antibolsonarismo e impede. 

Agora, pensar num governo de frente ampla para superar o bolsonarismo, aí já é uma outra questão, porque aí não vai haver acordo, até porque eles também não querem. Eles querem nos derrotar, porque nós somos uma alternativa para 12, 16 anos, e nós já provamos uma vez que nós vamos fazer mudanças de rumo no país, que vai nos dar base social e eleitoral. Porque nós não ganhamos na fraude e no poder econômico, como eles dizem, aquela invenção do Mensalão. Agora tá provado aí que nunca existiu desvio de recursos da Visanet, nem a Visanet é dinheiro público, como todo mundo sabe que aquilo foi um pretexto. A Lava Jato está aí com as vísceras podres e expostas, cada vez complicando mais para os procuradores e para o ex-juiz Moro, o inominável; cada vez mais. 

Não só a suspensão e a anulação, como também estão aparecendo os negócios, advocacia administrativa, os interesses paralelos à advocacia; objetivo de poder político, né? O terror psicológico, a chantagem, a pressão sobre as famílias. A proteção… vender proteção para muitos setores que eram investigados, processos sigilosos, processos que as provas desapareciam, processos forjados, delações forjadas. Então, nós vamos agora descobrindo o que foi tudo aquilo. Então eu vejo assim: acho que nós não devemos ter medo de fazermos frentes amplas para combater o autoritarismo, combater medidas pontuais. Agora, quando se trata de disputar o governo, aí é outra discussão. 

Sou favorável à frente democrática, isso sim. Sou  favorável, mais ampla que a esquerda, porque a esquerda não faz a maioria no parlamento e não governa o país. Nós já temos experiência, então nós temos que estar abertos. Nós precisamos ganhar amplos setores da sociedade, certo? Que podem votar conosco em um projeto de reformas estruturais no país, que dê à imensa maioria dos brasileiros paz, segurança e bem-estar social, porque o Brasil tem todas as condições de crescer 10, 20 anos. O que está acontecendo é que há uma política errada, essa política de austeridade, superada no mundo, e há uma recusa de aceitar uma reforma do sistema bancário, financeiro e tributário, porque hoje grande parte da renda da classe trabalhadora, das famílias e das pequenas e médias empresas são expropriadas pela estrutura sindical e pelos juros.

No Brasil, você compra um produto e paga dois, devido aos juros. Qualquer coisa que você comprar no cartão de crédito, no cheque rotativo e no crédito nominal, qualquer duplicata que você desconte, você está perdendo uma distribuição da sua renda. Ninguém consegue explicar porque um país tão rico, industrializado, desenvolvido e que é uma potência científica, uma potência energética, uma potência de alimentos, tem uma indústria moderna, tem tanta riqueza… porque a demanda está reprimida, tem um subconsumo que a renda está concentrada de tal ponto que nenhum estado consegue investir porque paga R$ 500 bilhões todo ano de dívida pública, ninguém paga isso no mundo hoje. Não pagam nem 15%, 20% disso, porque os juros são negativos, é 1% ou 2%. E porque a estrutura tributária ao invés de distribuir renda, ela concentra. 

Basta ver que vários economistas liberais e ortodoxos estão defendendo uma renda mínima e reforma tributária, além de uma reforma no sistema bancário que é um cartel. Eu não estou falando de uma revolução, eu estou falando de reformas. Essa é a realidade do nosso país.

Caso o Lula seja o candidato do PT na próxima eleição e a vença, qual programa o presidente deveria assumir? O que poderia ser semelhante ao governo e o que não pode se repetir em hipótese alguma? 

O primeiro governo do Lula foi o combate à pobreza e à miséria, isso continua como prioridade. Absoluta. O primeiro governo do Lula é democrático, de diálogo, de negociação, de busca de consenso progressivo na sociedade. Isso continua. É de respeito à oposição, às minorias. E é de radicalização da democracia. Vocês já perceberam que o Bolsonaro acabou com todos os conselhos, toda a participação da sociedade civil – não é de sindicato não, como eles vendem. Por acaso hoje existe participação da sociedade na questão da cultura? Da educação? Do meio ambiente? De alguma política do governo? Então, a questão democrática e a questão do combate à pobreza são o nosso norte. 

E a integração do Brasil no mundo, o papel do Brasil na América do Sul, para integrar a América do Sul. A retomada de um projeto soberano de desenvolvimento nacional com essas reformas estruturais que o país precisa. Esses são os nortes do programa do PT. Lógico, é um programa para o século XXI, não é o programa de 2002, porque a questão ambiental precisa estar presente e transversal em tudo. A Amazônia está sendo assaltada, do Mato Grosso ao Pará, está avançando, só não vê quem não quer. E não é avançando com uma agricultura moderna, não. É garimpagem, madeireiro ilegal, é a grilagem de terra, é o desmatamento com queimadas, é uma pecuária predatória, essa é a verdade. Então é zero. 

Amazônia zero, Amazonas com desenvolvimento autossustentável  na biodiversidade, no extrativismo, na pesca, no artesanato e no que já existe, porque tem Belém e Manaus que são cidades industriais; mais Manaus. Nós não podemos desconstituir isso, aliás, temos de proteger a natureza, a Zona Franca de Manaus. Vocês estão no Mato Grosso do Sul e conhecem a história do antigo Mato Grosso e sabem que o problema é sério. O problema ambiental aí no Pantanal é seríssimo. 

A energia para superar os fósseis, alimentos sem agrotóxicos, alimentos orgânicos. Aliás, as grandes empresas já estão investindo no alimento orgânico e os ricos consomem alimento orgânico, inclusive os [ricos] do agronegócio. Ou eu estou falando algo absurdo? E também, toda a indústria química, toda a indústria vai evoluir – todos os agrotóxicos, herbicida, pesticidas e inseticidas – para o orgânico, porque o desenvolvimento da ciência é fantástico. O custo da água e da energia está chegando a um ponto que tem que preservar, tem que ter reuso. Não pode continuar o uso da água como está hoje e nem as cidades podem continuar como elas são hoje. Como se pode viver em uma cidade em que qualquer chuva inunda tudo? 

Grande parte da população é empurrada para áreas de risco e que a concentração da terra é pior que no campo, existe uma especulação, uma concessão de terra no Brasil… fantástica. É um programa de outra mobilidade urbana, outra energia, outro uso da terra e da água, outro tratamento da natureza e outra sociedade, não egoísta, individualista e consumista, entendeu? 

Nós temos que repensar também uma crítica dura ao capitalismo. Não só o papel do Estado e a necessidade de uma revolução social para distribuir renda e riqueza, mas também do caráter do capitalismo financeiro, da globalização. E no mundo, uma política externa ativa, altiva e  independente como sempre teve o Brasil, respeitando a não-intervenção, a soberania de cada país, a autodeterminação, soluções pacíficas, as relações mútuas e benéficas e sem lados. O Brasil não está do lado nem da China e nem dos Estados Unidos, o Brasil está do lado do Brasil e da integração sul-americana, esse é o nosso espaço geopolítico e esse é o nosso objetivo estratégico. 

É um mercado de 400 milhões [de pessoas] e é uma comunidade política e cultural que deve ter voz e presença no mundo como a União Europeia passou a ter. Sem submeter a nossa política externa ao Trump ou aos Estados Unidos, nada de entrar no conflito dos Estados Unidos com a China. Nós temos interesses estratégicos com a China e com os Estados Unidos, da mesma maneira que o papel das nossas Forças Armadas é defender o pré-sal. É defender a Amazônia, mas defender de fato. 

Defender a foz da Amazônia, defender o Atlântico Sul, os nossos mares, as nossas riquezas. Se preparar para isso no século XXI, que é outro tipo de guerra, outro tipo de Forças Armadas e não ficar participando da política interna do país, isso não é papel das Forças Armadas, em hipótese alguma. Eu vejo que o governo do Lula tem uma base filosófica, vamos dizer assim, do primeiro governo, mas o Brasil é outro. O mundo é outro. Nós não podemos voltar com a mesma política, porque teremos de enfrentar outros problemas e tem um problema grave: não iremos fazer maioria no Congresso. 

Eu digo e repito que nós não nos demos conta disso, que o único governo  que governou sem a maioria na Câmara e no Senado foi o Lula. A frente ampla tinha, os Kirchner tinham, o Evo Morales, o Rafael Correa, o Hugo Chávez, agora o López Obrador tem. Mesmo os governos no Panamá, República Dominicana e El Salvador governaram com a maioria em um governo progressista, democráticos, não estou falando nem de esquerda. Nós não, então se você parar para pensar, o Lula fez muito. Além de não ter o apoio da grande mídia, nem dos militares, nem do capital financeiro, muito menos da maioria no Congresso, ele fez um governo que lhe dá hoje 40% dos votos. Isso depois de tudo que fizeram com ele e conosco. Não é pouca coisa.

Pegando o gancho sobre a questão ambiental, você avalia Belo Monte e o Novo Código Florestal como erros do governo petista? 

Essa é uma questão muito polêmica. Talvez a era das grandes hidrelétricas tenha passado, até porque a [energia] eólica abastece o Nordeste, quando eu falei que o Brasil é uma potência energética e limpa é porque a eólica abastece o Nordeste. O problema é que não se cumprem as compensações, porque se tudo que foi acordado e acertado com a empresa Norte Energia fosse realizado, você poderia… Existe um problema sério da vazão do rio, existem problemas no represamento e na reprodução dos peixes, há problemas de inundações e são problemas que afetaram a vida de milhares de ribeirinhos e de toda uma região, toda uma cultura. Isso é um fato. Agora, é uma questão de como você compatibiliza o desenvolvimento, o crescimento e o meio ambiente. 

A solução é evoluir porque o Brasil tem uma riqueza fantástica que é o petróleo, é um ativo que pode ser transformado  em investimento – saúde, educação, inovação, tecnologia, meio ambiente -, mas que foi expropriado de nós com a privatização, porque estão privatizando a Petrobrás e a renda. Não é só que a Petrobrás puxava o desenvolvimento industrial, tecnológico, indústria naval, indústria de máquinas e equipamentos, é que tinha uma renda da nação para investir no combate à pobreza e desigualdade. Em relação ao Código Florestal,  essa fronteira entre a legalização da ocupação ilegal e a legalização da grilagem ou incentivo à grilagem, tem que ser muito bem compatibilizada, manter na ilegalidade o pequeno e o médio não interessa, agora você não pode, ao fazê-lo, criar impunidade ou estimular, você precisa ver o  caráter dessas ocupações ilegais, porque se elas forem predatórias à natureza… o Brasil não precisa avançar sua fronteira agrícola, nós temos quase 40 milhões de hectares de terra degradados e que podem ser recuperados. 

O Brasil planta 80 milhões [de hectares], tirando a pecuária, que vai a 200 milhões de hectares. No Brasil, se você observar, a produtividade está aumentando sem o aumento na área plantada. O nosso problema hoje é muito mais proteger a terra e a água dos agrotóxicos e do uso predatório, além de produzir alimentos saudáveis e orgânicos, sustentar a agrícola familiar e o cooperativismo. Nós estávamos fazendo o que o Bolsonaro acabou, inclusive no orçamento da LOA (Lei Orgânica Anual), o corte veio em previdência, assistência social, saúde, educação, seguro-desemprego, abono salarial, agricultura familiar, IBGE, ciência e tecnologia.

Devemos considerar que nós trabalhávamos com o risco pior no Congresso pela maioria da bancada ruralista, fizemos muitos acordos pelo mal menor. Uma coisa é o que o PT, o governo ou a coalizão do governo – a presidente Dilma ou o presidente Lula, a ministra ou o ministro do meio ambiente – queriam, que expressava a vontade de amplos setores da sociedade, mas isso mudou muito no Brasil. A consciência no Brasil hoje é muito maior e há condições de evitar esses retrocessos e avançar mais na questão ambiental e energética.  

Ministro, o senhor estava falando justamente dessa questão de, pelo fato de ser uma nova realidade, o programa do partido pensar em uma nova discussão que leve em consideração a questão ambiental, certo? E Belo Monte, se a gente for parar pra pensar, uma lógica de contradições e não foi democrática, existem críticas inclusive vindas do MST sobre a uma falta de diálogo com os povos da floresta e os movimentos sociais na construção de Belo Monte. Então o senhor acredita que em um novo cenário em que o Lula ganhe em 2022, em um novo diálogo com os movimentos sociais, essa lógica desenvolvimentista, que a gente já consegue ver que o planeta não dá conta, vai estar mais em pauta? Vai ter mais discussão?

Diálogo com os movimentos, seja indígena, seja com os povos da floresta, das águas, seja com o Contag, MST, sempre houve. Aliás, os avanços na reforma agrária e na agricultura familiar nos nossos governos… se você vai comparar… porque nós mesmos criticávamos nossos governos e agora vemos que a primeira coisa que o Temer e o Bolsonaro fizeram foi desconstituir nossas políticas, por mais que elas fossem não tão avançadas quanto nós queríamos. Eu acho que todos nós conhecemos o presidente Lula. Acho que não há dúvida nenhuma de que há uma nova mentalidade, uma nova visão, até porque o mundo todo está avançando nesse sentido. E há uma nova necessidade, não é um problema político, ideológico, não. É que não se pode continuar com esse tipo de desenvolvimento. Não se pode. Aliás, o custo dele é altíssimo. Porque veja bem o problema que nós estamos enfrentando agora, no Brasil, com a água. Já é um problema. 

E o Brasil é o país mais beneficiado do mundo com água. Falta água para a agricultura, não é só para consumo doméstico, não é só para 50% que não têm saneamento, ou 15, 20% que não têm água; o problema é mais grave. Porque se você polui os rios, você polui a agricultura também. Olha o custo para você limpar a água. Olha esse escândalo da Cedae, de tempo em tempo servem aquela água turva, mau cheirosa, envenenada na verdade, para a população. Então é muito grave o que está acontecendo no Brasil. Então realmente temos que repensar isso radicalmente. Não é só mudar de postura, entendeu? É uma nova política, que nem eu falei: não é a mesma política de crescimento dos anos 2000. 

O mundo, nós temos que andar no século XXI. Se não fizermos uma revolução tecnológica, como é que nós podemos? Nós não entramos nem no 4G, já está o 5G, a robótica, não entramos nem na robótica e já tem inteligência artificial. Nós nem consolidamos uma indústria automobilística num motor de explosão e já está aí o motor do carro elétrico. Então, o Brasil tem que fazer 50 anos – como o Juscelino fez – em cinco. Em 10 anos, nós temos que fazer 100 anos. Como a China fez, em 40, um século. Porque o que a China fez em 40 anos… em 1978, quando começaram as reformas do Deng Xiaoping, até hoje, é algo fantástico.

Você foi uma das primeiras lideranças do PT a sofrer um processo não só jurídico, como também de linchamento moral. Você acredita que o julgamento do mensalão foi um ensaio-geral para o lawfare instalado pela Lava Jato e posterior prisão do Lula?

Não só acredito, como deixei isso claro de 2006 a 2013. Se você recuperar pronunciamentos meus, principalmente na ABI [Associação Brasileira de Imprensa], onde ficou assim mais marcante, eu disse exatamente isso. Evidentemente que o mensalão, primeiro, é uma mentira; nunca houve pagamento de deputado e senador. E nunca houve dinheiro público. Foram empréstimos bancários repassados ao caixa do PT para despesas eleitorais. E hoje, o Onyx Lorenzoni pagou uma multa e se livrou do caixa dois. Para se ver a hipocrisia. O Roberto Jefferson nunca foi processado pela CPI dos Correios, porque ele está denunciado pela CPI dos Correios, não sou eu, nem o PT.

E tá lá posando de…

Não, pra você ver a falta de credibilidade do mensalão: a testemunha principal do mensalão era o Roberto Jefferson. Olha que decrépito ele é hoje. Que personagem ele é hoje. Inclusive a mídia o protegeu esses anos todos e a Lava Jato o protegeu. Porque todas as denúncias contra ele, de delatores, nunca foram investigadas e o processo dele dos Correios de 2005 e 2006, até hoje não foi julgado. Há uma proteção a ele. Para esconder o que foi o mensalão. Nem vou falar na Visanet porque agora, com o caso do Pizzolatti, foi desmascarado. Nem era dinheiro público, nem houve desvio. Tá documentado, provado. Como tá provado também que eu fui condenado sem provas. 

Aliás, os ministros expressaram isso. Domínio do fato, ônus da prova cabendo ao acusado, “a literatura jurídica permite condená-lo”… fui condenado pela política e fui cassado sem inquérito policial terminar, sem CPI terminar. Fui cassado na violência política. E a Lava Jato é uma continuidade do mensalão. E lá foi o ensaio, lá eles aprenderam, e também aprenderam que nós não conseguimos compreender, ver o caráter do mensalão. Tanto o partido como o governo não souberam enfrentar naquele momento. Bem, assim é a vida política. Não é por má fé, porque não eram solidários, não é isso, não é uma valoração moral. É uma questão política. Houve uma leitura errada do caráter do mensalão e como a disputa política iria se evoluir no Brasil. Que a duras penas nós aprendemos. Felizmente, essa época está passando. Mas a Lava Jato tá aí, viu? O espírito dela tá aí ainda.

Ministro, vamos fazer só uma pergunta para encerrar, por favor? Só essa e a gente pode encerrar, daí. Eu acompanhei, como pesquisador, um pouco da sua trajetória na Maria Antônia, da sua atuação na questão da ditadura, como o senhor atuou na batalha, no Congresso de Ibiúna… E eu queria falar dessa relação entre o presente e o passado, em relação à Lei Antiterrorismo. Foi aprovada pela Dilma, né, em março de 2016, que é basicamente uma lei que criminaliza movimentos sociais e que sofreu uma tentativa de ampliação no ano de 2018. Como o senhor vê essa repercussão, [como alguém] que já foi considerado terrorista pela ditadura militar? O senhor acha que aprovar uma lei dessas num país como o Brasil é pedir pra levar chumbo?

Veja bem, isso aí eu vou responder de maneira simples, curta e objetiva; nós erramos. E não foi só na Lei Antiterrorismo. Erramos também em delação, lavagem de dinheiro, deixamos aberto. A pior foi a da ficha limpa. Primeiro porque o PT é o último partido em matéria de ficha suja, pode pesquisar todas as eleições depois. O PT não tem ficha suja. Porque essa história de que o PT é corrupto, é uma organização criminosa, eu sempre pergunto, se eu for aí a Campo Grande, dar uma entrevista para uma rádio e alguém me falar isso, eu vou falar: me aponta um vereador do PT que se enriqueceu. Um prefeito, um governador. 

Me aponta militante do PT, importante, que se enriqueceu. Porque isso aí foi uma construção deles. A corrupção sempre foi uma arma da direita contra governos progressistas. Contra o Vargas, contra o Juscelino… imagina só, vocês que são jovens: o Jânio Quadros e o Collor iam acabar com a corrupção e a maioria do Brasil acreditou. A ditadura deu o golpe, vocês podem olhar, eu estava na Praça da República no dia do golpe. Era office boy, arquivista. Trabalhava em almoxarifado, no escritório de um deputado, aliás, por coincidência. É que tinha uma parte comercial, imobiliária, de corporação, e tinha uma parte política. Eu trabalhava na parte política. Sabem qual foi a palavra de ordem? Contra a corrupção e a subversão. Quer dizer, o “comunismo” [aspas com as mãos] para eles era o segundo objetivo. 

Agora, teve mais corrupção do que na ditadura? Esses dias o Mourão e um outro estavam dizendo aí… o Villas Bôas também, que não houve corrupção na ditadura. Por coincidência, um acadêmico acabou de publicar um livro agora, de tudo aquilo de corrupção que nunca foi investigado, nunca a imprensa pôde publicar. Na época da ditadura. Corrupção é um problema sistêmico, que só se resolve com controle democrático social, com transparência. É uma construção de luta permanente. Não foi isso que a Lava Jato fez. A Lava Jato por acaso combateu a corrupção? Protegeu os corruptos, desconstituiu a exportação de capital e de tecnologia do Brasil, a construção pesada brasileira, a construção civil-industrial brasileira, a engenharia de projetos do Brasil, destruiu empregos, perdemos arrecadação, inclusive os dados já estão publicados aí pelo Dieese, pela CUT, então vejo assim, foi sim um erro nosso. Uma mistura de ingenuidade e de falta de compreensão do que estava acontecendo naquele momento. Não tenho dúvidas sobre isso. 

E agora eles querem… vamos ver se revogamos a Lei de Segurança Nacional, sem colocar no lugar uma lei de defesa da democracia que seja, na verdade, de ataque à democracia. Porque o Congresso é muito conservador, muito de direita. E essa coisa da tutela militar, é muito relativa a oposição deles a isso. Nós somos oposição. Tenho dito. Muito obrigado, estou sempre às ordens. Muito obrigado, viu, Leopoldo, Vitória. Norberto, muito obrigado.

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