Crônica de um jogo não visto

Por Guilherme Correia
Colaborou Norberto Liberator

A partida válida pelo Campeonato Carioca disputada na noite da última quinta-feira (18) chamou a atenção da mídia esportiva brasileira. Não pelo badalado elenco do Flamengo, que enfrentou o pequeno Bangu, tampouco pelo valor atribuído ao torneio regional.

Todos os olhares estavam, na verdade, para algo que acontecia fora do Maracanã, estádio que completou 70 anos de idade na última terça-feira (16), e que já foi palco da derrota por 2 a 1, de virada, para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, no que ficou conhecido como um dos maiores vexames da história do Brasil.

A jornalista Gabriela Moreira comparou a disputa que aconteceu durante a pandemia de Covid-19 ao Maracanazo, partida em que o Uruguai venceu o Brasil e ganhou seu segundo título mundial. “No futuro a gente vai lembrar do jogo de ontem como a noite mais deplorável do Maracanã. Nem o Maracanazo trará lembranças tão ruins. 1950 foi obra do futebol, duríssima, mas do futebol. A noite de 18 de junho de 2020 foi escolha do homem, mesmo”.

Com exceção de algumas pessoas selecionadas para cobrir a partida, como o canal “Papparazzo Rubro Negro”, que comemorou a existência do jogo ao dizer que “estava com saudades” e que aquele seria o “primeiro jogo do Flamengo pós-pandemia”, a disputa não teve público presente, a fim de evitar aglomerações.

Junto a isso, os aproximadamente 40 milhões de flamenguistas não puderam ver as imagens da partida através da televisão, já que o Flamengo não possui contrato com emissoras televisivas. A falta do visual fez com que muitos desacostumados tivessem de se adaptar ao rádio, único meio que teve transmissão ao vivo. “Se não pode aglomeração, como que vão fazer barreiras?”, disse o narrador Luiz Penido durante cobrança de falta.

No dia seguinte, o narrador João Guilherme, que em dezembro de 2019 inovou ao narrar a decolagem de um avião que transportava a equipe carioca, propôs uma reflexão em seu perfil no Twitter, após citar as duas mortes que ocorreram a poucos metros de distância do gramado, em um hospital de campanha no próprio Maracanã. “Quantas pessoas morreram ao longo dos anos nos hospitais em volta do Maracanã durante os jogos? Só uma reflexão”.

Em maio do ano passado, o estado do Rio de Janeiro registrou 8 mil mortes por diversas causas, de acordo com dados do Portal de Transparência. Em 2020, o mesmo mês teve 12 mil mortes, sendo que 4.424 foram ocasionadas pela Covid-19, segundo a Secretaria de Estado de Saúde. No total, até a data do jogo, o estado registrava mais de 8 mil mortes apenas pela doença cerca de 5,3 mil somente na capital fluminense, onde a partida foi disputada.

O Campeonato Carioca foi a única competição esportiva brasileira que retornou durante a pandemia do novo coronavírus. Ao redor do mundo, em locais cuja taxa de infecção foi reduzida consideravelmente, algumas modalidades retornaram às atividades ainda em junho, como o golfe e futebol em alguns países europeus, ou o rúgbi na Austrália, por exemplo. 

No Brasil, cuja “curva não achatou”, o clube mais saudável financeiramente,  cuja diretoria já demonstrou ter pouco apreço por vidas humanas, mancha a própria história mais uma vez, ao obrigar que os próprios funcionários fiquem expostos a riscos sanitários, e ao fazer o mesmo com os rivais, que recentemente não tinham dinheiro para pagar contas de água ou folhas salariais, os obrigando a, em tese, disponibilizar dezenas de caros exames semanais para reduzir riscos pelo esporte ser praticado e não ser visto.

Guilherme Correia

Repórter e Subdiretor de arte

Estudante de jornalismo. Entusiasta de muitas coisas, do futebol ao audiovisual. Interessado em educação, cultura e pautas sociais.

Norberto Liberator

Editor-chefe

Jornalista, ilustrador e cartunista. Interessado em política, meio ambiente e artes. Autor da graphic novel “Diasporados”.

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