Sergio Moro não é o bastião da democracia, nem da justiça

Por Vitória Regina
Colaborou Leopoldo Neto

“[…] Porém, quando o manto imperial finalmente cair sobre os ombros de Luís Bonaparte, a estátua de bronze de Napoleão despencará do alto da coluna de Vendôme” 

(Karl Marx em “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”, 2011, p. 154)

No último dia 24 de abril, Sergio Moro pediu demissão do cargo e deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Entretanto, não o abandonou no primeiro sinal de corrupção ou imoralidade – como evidencia o discurso que tenta posicionar Moro como um democrata sensato que antagoniza contra o autoritarismo bolsonarista. O ex-ministro sai de um governo que está desvanecendo rapidamente e, mais importante, que não responde mais aos seus interesses.

Durante uma pandemia grave e uma crise sanitária responsável por modificar abruptamente as relações sociais e certos tipos de relações econômicas, o maior país da América Latina precisa lidar com um tensionamento político instaurado por um governo que já respira com ajuda de aparelhos, mas por pouco tempo.

 Após a coletiva dada por Moro anunciando sua saída e fazendo uma delação relatando crimes cometidos por Jair Bolsonaro, a mídia e as redes sociais não pararam de comentar sobre o assunto. As consequências da covid-19 que assolam mundo tornou-se secundária nos noticiários do Brasil.

Visando uma possível candidatura à presidência em 2022, Moro alegra a mídia hegemônica – que agora pode endeusá-lo sem relacioná-lo ao Bolsonaro – e sai em um momento oportuno de um governo com características autoritárias – características estas inclusive aceitas e reiteradas por Moro. Conforme observado na cobertura dada ao caso pelo Jornal Nacional exibido no dia 24 de abril de 2020. O jornal de maior audiência da Rede Globo utilizou 1h05min de 1h31min para destacar as decisões tomadas por Moro ao mesmo tempo em que condenava Jair Bolsonaro.

Em sua coletiva, Moro afirmou que Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal – o que caracteriza crime de responsabilidade, considerando que o presidente da República utilizou sua influência para benefício próprio ou de outrem[1]. Todavia, no dia 20 de janeiro de 2020, Sergio Moro participou do programa Roda Viva e, ao ser questionado se Jair tentou interferir em algum momento na Polícia Federal, o ex-juiz afirmou ‘’que nunca houve qualquer interferência do presidente’’.

No entanto, ao acusar Bolsonaro, Moro também fez confissão de pelo menos dois crimes. Mas como detém muito apreço dos monopólios de comunicação – especialmente a Rede Globo – tal confissão passou despercebida. E passou despercebida também no pronunciamento emocionado realizado pelo presidente seis horas depois.

No momento em que Moro revela a condição imposta para aceitar o cargo, ele diz que aceitaria apenas com a condição de sua família viesse a receber uma pensão caso algo lhe acontecesse. De acordo com o Artigo 317 do Código Penal, o pedido de Sergio Moro é classificado como corrupção passiva[2].

Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: “Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)”.

Outro crime revelado pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública é o de prevaricação.

Em determinado momento da coletiva, Moro afirma que tanto ele quanto Maurício Valeixo foram assediados diversas vezes por Jair Bolsonaro, sendo que este chegou a pedir para acesso aos relatórios de Inteligência. Moro – agente público – não denunciou os assédios e pressões do Presidente, o que pode ser encaixado como prevaricação. De acordo com o Artigo 319 do Código Penal

Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: “Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa”.

Não podemos esquecer que Moro permaneceu 16 meses sob a tutela do Governo Federal, evitando falar do envolvido de Flávio Bolsonaro com o esquema de ‘’rachadinha’’, bem como a relação com a milícia carioca.

No segundo mês do governo Bolsonaro, especificamente no dia 4 de fevereiro de 2019, Moro apresenta o pacote anticrime. Diferente do que indica o nome, o pacote não era anticrime, considerando a inexistência de medidas que pudessem prevenir o ato criminoso. Não havia nada de novo nesse projeto, somente tentativas de radicalizar o que já existe.

A proposta inicial do pacote anticrime alteraria 14 leis presentes no Código Penal, Código Eleitoral, Lei de Execução Penal e Lei de Crimes Hediondos. Uma das leis previstas à alteração seria a de Caixa 2, o que é surpreendente vindo de Moro, já que este perdoou Onyx Lorenzoni por Caixa 2 e ainda expressou admiração pelo ex-ministro da Casa Civil.

Ignorando que a polícia brasileira é a que mais mata e mais morre, Moro acrescentou no projeto o excludente de ilicitude, que na prática nada mais é do que uma licença para matar entregue em bandeja – já coberta de sangue – à polícia[3]. O policial que ao sentir medo, surpresa ou grande emoção matasse alguém seria isento da pena. Ao inserir esse excludente em seu pacote, Moro deixou explícito que seguia a cartilha de Jair Bolsonaro.

Outro traço de autoritarismo de Moro se deu na inclusão do plea bargaining[4]. Resumidamente, o plea bargaining refere-se a um acordo entre o Ministério Público e o sujeito acusado durante um processo penal. O acusado declara-se culpado e passa a relatar qualquer coisa, jogando na lata de lixo princípios como a isonomia e ampla defesa. O plea bargaining consegue ser pior que a delação premiada tão utilizada na Lava Jato.

Em agosto de 2019, o Ministério da Justiça e Segurança Pública representada por Sergio Moro veio a público dar um parecer contrário ao projeto de Lei de Abuso de Autoridade. Manifestou-se contra a obrigatoriedade de identificação nominal do policial e ainda afirmou que a proposta seria uma atentado à independência da magistratura.

Em dezembro de 2019, Moro apresentou outro traço autoritário e fez pouco caso – novamente – com a imparcialidade do Judiciário ao posicionar-se pelo veto ao juiz das garantias. Em resumo, o juiz das garantias permite que não haja o risco da acusação e o julgamento seja feita pela mesma pessoa. Ou seja, um juiz guia o processo até o instante em que este é formalmente apresentado à Justiça pelo MP. Posteriormente, um outro juiz passa a ser responsável pelo caso.

Em abril de 2020, o agora sensato Moro propôs colocar pessoas presas infectadas pelo novo coronavírus em contêineres metálicos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) consideraram a proposta ilegal. Ademais, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, bem como o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e as Defensorias Públicas do estado de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santos, Minas Gerais e Amapá também assinaram um documento reforçando que tal medida violaria direitos fundamentais[5]

Antes de integrar o governo Bolsonaro, Moro foi o juiz de maior destaque da operação Lava Jato, o magistrado atuou de modo imparcial e fez diversos movimentos políticos no processo de condenação do ex-presidente Lula. Em 2019, quando a Vaza Jato tornou-se pública pelo jornal The Intercept Brasil, Moro e Bolsonaro não mediram esforços para acuar o jornalista Glenn Greenwald, editor responsável pelos vazamentos.  Sobre a trama de Lula, Moro e Lava Jato, a Badaró publicou recentemente uma matéria em quadrinhos. O lawfare cometido por Sergio durante esse período pode ser melhor entendido neste vídeo.

 Por fim, só resta um aviso: prezados, não se iludam. Sergio Moro não é moderado, democrático e não saiu do governo pelo autoritarismo de Jair Bolsonaro ou por convicções morais na busca pelo combate à corrupção – baluarte este de sua retórica. Moro saiu por interesses políticos e pessoais, tendo em vista sua possível projeção no cenário eleitoral nos próximos anos. O ex-juiz sabe que disputa o mesmo público eleitoral e ideológico do atual presidente.

Antes que o Moro caia nas graças da esquerda desavisada que dormiu até 24 de abril de 2020: esse senhor não é o bastião da democracia. Não deve-se correr o risco de cair na lábia daqueles finos lábios.

Por enquanto, o texto se encerra. A novela política ainda está longe de acabar.

[1] Artigo 9º do 5º capítulo, no item 4, da lei 1.709. Houve também o crime de improbidade administrativa, presente no artigo 9º, do capítulo 5 da mesma Lei.
[2] Moro poderia enviar ao Congresso um projeto de lei que garantisse uma indenização ou uma pensão à família caso algo lhe acontecesse em exercício do cargo.
[3] Instrumentos jurídicos que asseguram a isenção de pena em caso de legítima defesa já vigoravam antes desse pacote.
[4] Em português significa algo como barganha ou negociação.
[5] Para ler mais sobre o assunto clique aqui.

Vitória Regina

Colunista

É marxista e quase formada em Psicologia pela UFMS. Interessada em ciência política, psicologia histórico-cultural e artes.

leopoldo neto

Editor-chefe

Jornalista e mestrando em Comunicação. Possui interesse em jornalismo político, científico e cultural. Busca explorar o formato podcast.

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