O 11 de setembro latino-americano e o futebol

Campanha do Colo-Colo na Libertadores de 1973 foi decisiva para escolha da data do golpe de Pinochet contra o presidente socialista Salvador Allende

Por Gabriel Neri
Colaborou Norberto Liberator

O futebol se fez político desde que começou a se tornar popular ao longo dos anos. O esporte em geral é usado de forma a favorecer regimes ou destruí-los. Exemplos como a Copa do Mundo de 1934 na Itália fascista, os Jogos Olímpicos de 1938 em Berlim e a Copa do Mundo de 1978, na Argentina, são confirmações desta afirmação. Mas não somente os eventos a cada quatro anos são usados. No cenário latino-americano, a campanha de um clube chileno na Copa Libertadores da América uniu um povo enquanto um golpe era articulado.

Trata-se do 11 de setembro chileno, em 1973, quando o Palácio de La Moneda foi tomado pelos militares liderados por Augusto Pinochet, que instaurou uma ditadura por quase 17 anos no país andino. O presidente socialista Salvador Allende saiu morto da sede do governo chileno após as invasões dos fardados. Há duas versões sobre a morte: a primeira é que ele se suicidou e a segunda é que foi morto pelos militares.

O golpe que matou o presidente socialista e matou a democracia no Chile era efeito da Guerra Fria na região sul do continente americano, influenciado pelos Estados Unidos, que vivia sua disputa com a União Soviética. E nas prévias do golpe, quando Allende vivia a total instabilidade e crise no Chile, uma equipe liderada pelo atacante Carlos Caszely ajudou a unir golpistas e socialistas por alguns meses. O time em questão foi o Colo-Colo, vice-campeão da Taça Libertadores da América naquele ano.

O Chile, no cenário futebolístico, nunca teve hegemonia ou destaque por muitos anos nas competições internacionais, tanto que foi somente ganhar o primeiro título continental com o próprio Colo-Colo em 1991. Já a Seleção Chilena, La Roja, foi conquistar seu primeiro título somente em 2015, no Estádio Nacional do Chile, diante da Argentina. Os mesmos portenhos que derrotaram El Popular (como era conhecido o Colo-Colo) em 1973.

Antes de contar como se deu a união de uma nação por um clube, vamos às tensões políticas e à última eleição chilena antes do golpe. A Copa em questão era a Libertadores, que começou para os chilenos no dia 1º de março, no Estádio Nacional, com quase 70 mil torcedores para a partida entre Colo-Colo e Unión Española. No dia 4 de março, haveria eleições parlamentares, nas quais 25 senadores e 150 deputados viriam a ser eleitos.

Além disso, também se votou pela continuidade ou não do governo. Nesse contexto, a articulação da oposição pela tomada do poder, diante das mudanças promovidas pelo governo socialista; a influência das grandes potências capitalistas; e os próprios equívocos de Allende, cada vez mais isolado, não foram suficientes para um impeachment do presidente eleito.

Voltemos ao Colo-Colo. O clube fundado por David Arellano tinha um dos principais plantéis do Chile. Comandados por Luis Álamos, além de Caszely (único chileno artilheiro da Libertadores na história), os destaques eram Alejandro Silva, Francisco Valdés e Leonardo Véliz.

A Copa era disputada em três fases: a fase de grupos, o triangular semifinal e a final em melhor de três. O Cacique (mascote do clube chileno) venceu três partidas, com média de cinco gols por jogo, e sofreu apenas uma derrota para o Emelec, fora de casa. O outro rival no grupo foi o também equatoriano El Nacional. O triangular semifinal era diante do Cerro Porteño, do Paraguai, e do brasileiro Botafogo.

Conforme o time foi avançando, chegando à semifinal e tendo chances reais de ser campeão da Copa, o uso político aumentava. Não faltaram mensagens de ambos os lados para alentar o Colo-Colo. Na semifinal, o Cacique venceu no Maracanã o Botafogo na abertura da semi, mas caiu por 4 a 1 para o Cerro, em Assunção.

O time era forte e, no returno, fez o necessário para passar: goleou o clube paraguaio por 4 a 0 e, numa duríssima partida, empatou com a equipe brasileira, após abrir o placar e aumentar a vantagem em 2 a 0, mas ver o time alvinegro virar com três gols; no último lance, o Colo-Colo conseguiu o empate pelos pés de Véliz. Naquele jogo, um público de mais de 80 mil pessoas assistiu à dramática classificação.

Foi a primeira final dos albos e de todo o Chile em copas. O clima era de que a equipe “já cumpriu” o objetivo, como destacou a revista Estadio, em sua contracapa, às vésperas da final. Enquanto isso, em plena crise e greves, o time de Álamos reunia chilenos esperançosos pelo primeiro título internacional. Allende, torcedor da Universidade do Chile – a La U – não foi clubista e chegou a convidar os colo-colinos para uma recepção em La Moneda, o que foi boicotado pela Federação Chilena de Futebol.

A final foi contra o Independiente, da Argentina, detentor do título e que entrou na fase semifinal. Os rojos passaram por San Lorenzo, também argentino, e por Millonarios, da Colômbia. Entender essa final é saber que o resultado não se constrói dentro de campo, mas também fora dele. Os times argentinos tinham um enorme “peso” nas decisões fora de campo.

O primeiro jogo foi em La Doble Visera (atual Estádio Libertadores de América) e os visitantes saíram na frente com gol contra do zagueiro rojo Francisco Sá, aos 26 minutos do segundo tempo. Dois minutos depois, Sergio Ahumada foi expulso, deixando o Colo-Colo com 10 jogadores. Mario Mendonza, fazendo falta no goleiro Adolfo Nef, empatou o embate. O segundo jogo foi no Estádio Nacional. O treinador adotou uma postura defensiva, mesmo com seu time tendo talento para vencer – e até chegando a fazer um gol com Caszely, mal anulado pelo árbitro Romualdo Arppi Filho. O medo da derrota e a arbitragem tiraram a Copa dos chilenos.

A decisão foi em Montevidéu, no Estádio Centenário. Com garra e guerra, o Independiente saiu na frente com Mario Mendoza aos 25 minutos. O grande atacante chileno Caszely empatou com um golaço por cobertura. Com o empate, veio a prorrogação e a guerra dos vermelhos venceu com Miguel Gianchello.

A primeira tentativa de golpe veio 20 dias depois, mas fracassou. No jantar em homenagem ao time que escreveu a história sem a Copa, Salvador Allende não compareceu. Enviou uma mensagem, segundo conta Maurício Brum, em seu texto publicado no Puntero Izquierdo. 

“Colo-Colo é Chile. Mas hoje, o Chile não é Colo-Colo. O país não está unido”, disse o político socialista. Por dado momento, o Cacique foi a união nacional. A última esperança da esquerda. Se vencesse a Copa, não pode-se afirmar que Allende não tomaria o golpe que o matou. Mas poderia ser diferente.

A final no Uruguai foi no dia 6 de junho, o golpe final veio pouco mais de três meses depois com La Moneda sendo bombardeada e invadida há 47 anos. O Estádio Nacional seria palco de prisões, torturas e mortes do regime que dominaria aquele país até 1990. 

 

Gabriel Neri

Repórter

Estudante de jornalismo, amante de futebol sul-americano e da América Latina.

Norberto Liberator

Editor-chefe

Jornalista, ilustrador e cartunista. Interessado em política, meio ambiente e artes. Autor da graphic novel “Diasporados”.

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