Mulheres na política: representatividade é suficiente?

Paralela à disputa por cargos políticos, há uma luta pelo rumo das reivindicações que realmente combatem a opressão de gênero 

Por Tainá Jara
Arte por Adrian Albuquerque

Somos a maioria do eleitorado, os partidos estão obrigados a destinar 30% dos recursos eleitorais às candidaturas femininas, há recorde de mulheres concorrendo a cargos, inclusive à Presidência. As eleições de 2022 trazem um cenário inédito relativo à participação das mulheres no processo democrático. Paralela à luta por mais postos no Legislativo e Executivo, corre uma disputa por reivindicações que realmente impactam nas vidas das eleitoras.  

As condições na disputa ainda são mínimas, mas nunca foram tão favoráveis. Nada veio de graça. Lutas e vigília constantes são as responsáveis pelas transformações, mesmo em tempos de retrocesso. Embora a representatividade seja um grande desafio, a cada dia se torna necessário pensar não só a garantia dos direitos já conquistados, mas o futuro dos movimentos feministas.

Servir de instrumento para pautas que prejudicam outras mulheres é um perigo de crescimento proporcional, ou maior ao da própria representatividade feminina. A misoginia, junto ao racismo e a discriminação por classe, operam nas mais diferentes e sutis camadas da sociedade, por isso, as candidatas estão sujeitas a aderir a propostas e ideias de pouca ou nenhuma mudança real nas vidas das mulheres. 

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres compõem 53% do eleitorado. No pleito deste ano, as candidaturas femininas representam 33% do total de 28.641 concorrentes.

Apesar de o Congresso Nacional promulgar a Emenda Constitucional 117, que obriga os partidos políticos a destinar no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas, o número é apenas 1% maior do que o pleito de 2018, quando a o financiamento valia apenas por meio de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2014, o número era de 31%, um salto em relação aos pleitos presidenciais dos anos anteriores. Em 2010, a participação foi de 22% e, em 2006, 14%.

Os diferentes perfis das candidatas concorrentes à presidência nos apresentam um panorama de possibilidades, mas ao mesmo tempo de questionamentos. Há recorde de concorrentes, embora as chapas encabeçadas por homens sejam as favoritas. 

São quatro mulheres concorrendo ao posto mais alto do País: Vera Lúcia (PSTU), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Sofia Manzano (PCB). Além de quatro mulheres concorrendo ao cargo de vice: Raquel Tremembé (PSTU), Mara Gabrilli (PSDB), Ana Paula Matos (PDT) e Samara Martins (UP). 

Há mulheres negras, com deficiência, indígenas e periféricas concorrendo. Uma diversidade muito maior se comparada aos candidatos homens. Porém, é nítido o recorte de raça e classe. As mulheres brancas e de classe média são as mais bem posicionadas, mesmo com a maioria da população se declarando negra. Nenhuma candidatura chega a 10% nas pesquisas. A maioria nem sequer a 1%. 

A disputa paralela

A verdade é que a atual situação é nada menos do que um sintoma da forma como o próprio feminismo se popularizou ao longo dos anos: a partir da visão das mulheres brancas de classe média e alta, em detrimento das vozes de indígenas, negras, imigrantes, latino-americana. Hora ou outra o problema deverá ser superado. Por que não começar a pensar nisso agora?

Um mundo com “mulheres no topo” não necessariamente significa um mundo de superação das opressões por gênero. Bell hooks, no livro “O feminismo é para todo mundo – políticas arrebatadoras”, problematiza a questão a partir da forma como o movimento se desenvolveu nos Estados Unidos:

“O pensamento feminista reformista, focado primordialmente na igualdade em relação aos homens no mercado de trabalho, ofuscou as origens radicais do feminismo contemporâneo que pedia reforma e reestruturação geral da sociedade, para que nossa nação fosse fundamentalmente antissexista”.

Segundo a pesquisadora, diante da realidade do racismo, fazia sentido que homens brancos estivessem mais dispostos a levar em consideração os direitos das mulheres, quando a garantia desses direitos pudesse servir à manutenção da supremacia branca. 

Devido a isso, o movimento feminista acabou crescendo limitado em suas possibilidades. As reivindicações relativas, por exemplo, à licença maternidade ou igualdade salarial, embora ainda sejam desafios em países do sul global, são discursos mais facilmente aceitos e apreendidos pela lógica neoliberal. Desafios como a superação da pobreza, por exemplo, atingem diretamente as mulheres e não são prioridade de muitos governos.

Ainda conforme a teórica feminista: “Um homem despojado de privilégios masculinos, que aderiu às políticas feministas, é um companheiro valioso de luta, e de maneira alguma é ameaça ao feminismo; enquanto uma mulher que se mantém apegada ao pensamento e comportamento sexistas, infiltrando o movimento feminista, é uma perigosa ameaça”. 

São inegáveis os ganhos e a mudança de pensamento proporcionados pela luta das mulheres nos mais diversos âmbitos, além das contribuições que uma representatividade comprometida traz. Porém, não basta apenas votar em mulheres, é preciso apostar num projeto político realmente comprometido com a superação das opressões de gênero. 

Referências

HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 1 ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018. E-book.

Tainá Jara

Jornalista e pesquisadora em Comunicação. Interessada em mídia, estudos de gênero e direitos humanos. Na horas vagas vai de cinema, música e, sim, política.

Adrian Albuquerque

Jornalista, editor de vídeo, sucinto e entusiasta de alguns filmes. Interessado em artes, cultura e política. Diretor do documentário “Isto não é uma entrevista”.

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