Para além de Juma: o papel estratégico das mulheres na luta por justiça climática

Na vida real, reivindicação é por protagonismo mais diverso e representação nos espaços de decisão

Por Tainá Jara
Arte por Marina Duarte 

No realismo fantástico, a representação da defensora da natureza se materializa em mulher selvagem, misteriosa, que se transforma em onça quando provocada. A Juma Marruá da trama da rede Globo, foi criada há mais de 20 anos, mas soa atual no remake da novela Pantanal ao levantar o debate sobre a degradação do bioma. No retrato da preocupação e da disposição de mulheres frente a causa ambiental, a ficção e realidade de alguma forma se conectam.

Mais preocupadas e mais afetadas pelas mudanças climáticas, as mulheres adquiriram papel estratégico nessa luta. A dinâmica na maior planície alagada contínua do mundo, onde se passa a trama global, é um exemplo da forma como gênero, raça, classe e meio ambiente se imbricam em momentos críticos, especialmente em países do sul global.

Nos últimos anos, ganharam força iniciativas de economia sustentável e organizações a fim de estimular o protagonismo das pantaneiras, como a criação da Associação de Mulheres Ribeirinhas do Porto Esperança. Desta forma, elas evidenciaram o papel que há séculos desempenham nas regiões mais afastadas dos grandes centros.

No entanto, nem mesmo a resiliência do Pantanal, comportando cheia e seca como algo inerente ao seu ciclo natural, se manteve imune aos efeitos das alterações climáticas. Seca recorde aliada a ações antrópicas impactaram na vida do bioma com mais intensidade nos últimos anos.

O fogo não comprometeu apenas fauna e flora, mas afetou diretamente a rotina das ribeirinhas que ali vivem, seja em negócios necessários para a subsistência seja consumindo a estrutura das escolas necessárias para educação das crianças, que em geral estão sob sua responsabilidade.

Cada vez mais frequentes, os eventos climáticos extremos se manifestam das mais diversas formas, porém há convergência especialmente quando analisamos os grupos impactados. Considerando que deslizamentos e alagamentos costumam acontecer em áreas mais pobres e que secas severas afetam a produção alimentar, não fica difícil traçar um perfil dos grupos mais afetados por essas mudanças.

Conforme relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), aproximadamente 70% do 1,3 bilhão de pessoas vivendo em condição de pobreza no mundo são mulheres. Elas são ainda as chefes de família em 40% dos lares mais pobres em áreas urbanas. Em áreas rurais, predominam a força do trabalho mundial da produção familiar (de 50% a 80%), mas dispõem de menos de 10% das terras. Tal desequilíbrio pode prejudicar o acesso das mulheres a recursos, tecnologias e informações necessárias para se adaptar à crise climática.

A partir de um olhar interseccional (em que as opressões se cruzam) sob o clima, damos sentido a conceitos como racismo ambiental e justiça climática. Vinculando direitos humanos e desenvolvimento é possível alcançar uma abordagem focada nas pessoas.

De acordo com a ativista Andréia Coutinho Louback, “falar de justiça climática, então, nos provoca – e convoca – à impossibilidade de discutir uma perspectiva sobre futuro sem a participação periférica, dos homens e mulheres negras, da população quilombola, das comunidades tradicionais e de outros grupos marginalizados e ditos como ‘vulneráveis’”¹.

Segundo ela, há um paradoxo entre o que propõe o conceito e a composição branca e homogênea da comunidade climática. “Ousam discutir a elevação da temperatura e tratados internacionais sem a participação de mulheres negras. Ousam à exaltação de temáticas enigmáticas, como ‘precificação de carbono’ e ‘recuperação econômica verde’, sem ao menos refletir sobre privilégios”.

Entre as saídas propostas para alcançar a justiça climática e eliminar o racismo ambiental está a representação em espaços de decisão. Conforme a pesquisa Mudanças Climáticas na percepção dos Brasileiros 2021, organizada pelo ITS Rio (Instituto, Tecnologia e Sociedade), Yale Program On Climate Change Communication, Ipec (Instituto de Pesquisas Cananeia), 37% dos entrevistados acreditam que é o governo que pode contribuir mais para resolver o problema das mudanças climáticas (32% empresas e indústrias, 24% cidadãos, 4% Ongs).

Portanto, a falta de representatividade em cargos legislativos e executivos se mostra, mais uma vez, o principal obstáculo para constituição de uma sociedade mais justa. Organização política estratégica local, abarcando especialmente mulheres negras quilombolas e indígenas, com capacidade de diálogo global, podem ser um dos poucos instrumentos eficazes contra o desmantelamento das políticas ambientais no Brasil e no avanço do debate.

Referências:

¹LOUBACK, Andréia Coutinho. O paradoxo da justiça climática no Brasil: o que é e para quem? Le Monde Diplomatique, 31 de julho de 2020. 

Tainá Jara

Jornalista e pesquisadora em Comunicação. Interessada em mídia, estudos de gênero e direitos humanos. Na horas vagas vai de cinema, música e, sim, política.

MARINA DUARTE

Ilustradora e quadrinista pantaneira. Feminista antiproibicionista interessada pela profunda mudança social.

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