“Fujimorismo é capaz de golpe ao custo de guerra civil”

Autor de livro sobre a guerra entre ditadura peruana e guerrilha do Sendero Luminoso, Jesús Cossio falou à Badaró sobre eleição de Castillo, perspectivas para a esquerda, crise política e ascensão da extrema-direita

Por Norberto Liberator

Um presidente autoritário de ultra-direita, eleito com a promessa de livrar o país da corrupção, é centro de um escândalo de… corrupção. Seus filhos, também ligados à política, têm esquemas revelados. O enredo parece familiar e poderia se referir a outro país da América Latina, mas neste caso, trata-se do Peru. Quando veio à tona o esquema de propinoduto operado pelo assessor de segurança presidencial Vladimiro Montesinos, o ditador Alberto Fujimori já não tinha a popularidade que alcançou quando, em 1990, venceu as eleições presidenciais no segundo turno contra o escritor Mario Vargas Llosa, que viria a ser Nobel da Literatura em 2010. 

Acabar com a corrupção e com a violência do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso foram as principais plataformas da campanha de Fujimori. De inspiração maoísta, o Sendero era temido devido a inúmeras denúncias de escravização de populações indígenas nas regiões ocupadas pela organização. O grupo também cometeu massacres, como quando matou 69 camponeses em Lucanamarca, em 1983. O estigma contra os senderistas foi utilizado pelos diversos setores de direita contra a esquerda de forma geral. Naquela eleição de 1990, o alvo dessa estratégia de difamação foi o presidente Alan García, político de centro-esquerda. 

No poder, Fujimori reprimiu a oposição e organizou um golpe de Estado, conhecido como “autogolpe”, no dia 5 de abril de 1992. Com apoio das Forças Armadas, o presidente surpreendeu o país com um anúncio, transmitido pela televisão e pelas rádios, de que fecharia o Congresso, trocaria membros do Judiciário e se apropriaria de veículos de comunicação. A desculpa para a medida inconstitucional foi a escalada de violência. Iniciava-se a ditadura fujimorista. As promessas foram cumpridas. O Sendero Luminoso foi quase extirpado e seu chefe, Abimael Guzmán, preso. O custo: mais de 70 mil vidas humanas, em grande maioria inocentes, e a monopolização do narcotráfico pelo próprio governo. 

O império começou a ruir no ano 2000. Após a divulgação de vídeos em que Montesinos oferecia suborno a parlamentares opositores para que apoiassem medidas do governo, a permanência ficou insustentável. Com 21 acusações que incluíam corrupção, formação de quadrilha, narcotráfico e violações aos direitos humanos, Fujimori renunciou no dia 21 de novembro, sendo cassado pelo Congresso logo em seguida. Filho de japoneses, o já ex-ditador embarcou para a terra de origem de sua família. 

21 anos depois, muita coisa mudou. Fujimori segue preso desde 2009. O filho, Kenji, enfrenta um processo de cassação de seus direitos políticos. A filha, Keiko, esteve presa por três meses e pode voltar à prisão. Alan García se suicidou e o Peru viu as detenções de uma sequência de ex-presidentes: Pedro Pablo Kukzynski (PPK), Alejandro Toledo e Ollanta Humala. E segue contando, pois um recente escândalo de superfaturamento de vacinas coloca Martín Vizcarra em maus lençóis. Em 2020, o país chegou a ter três presidentes em uma semana [fato retratado pela Badaró nesta matéria em quadrinhos]. 

Na condicional, já em 2021, Keiko disputou eleições presidenciais pela terceira vez e teve apoio do antes rival político Vargas Llosa. Sem nada a ver com isso, o professor rural Pedro Castillo, vindo de uma comunidade camponesa na província de Chota, fez sua desacreditada campanha no boca-a-boca e é quem deve comandar o Peru após uma disputa apertada contra Keiko Fujimori no segundo turno. Castillo pertence ao Peru Libre, partido de inspiração mariateguista, ou seja, que reivindica as ideias do intelectual marxista-leninista José Carlos Mariátegui. 

Considerado conservador nos costumes e questionado sobre sua postura em relação a temas como direitos de minorias sexuais, Castillo se encontrou com lideranças da comunidade LGBTQIA+ e firmou compromisso de prezar pelo combate à discriminação. O líder campesino terminou o turno inicial em primeiro lugar e, na segunda etapa, disputou a apuração voto a voto contra a filha do ex-ditador, a quem venceu em uma virada histórica ao conquistar 50,12% do eleitorado. 

Jesús Cossío é jornalista e ilustrador. Um dos principais expoentes do jornalismo em quadrinhos na América Latina, o peruano autor de “Sendero Luminoso: História de uma Guerra Suja” (lançado no Brasil pela Veneta) conversou com a Badaró e nos ajudou a compreender a confusão generalizada que tem ocorrido em seu país. 

Badaró: Gostaria que falasse a respeito das acusações de que Pedro Castillo teria ligações com o Sendero Luminoso. De onde elas vêm e por que ocorrem? 

Jesús Cossio: Em primeiro lugar, há várias acusações que têm sido feitas por seus oponentes políticos que são à direita, para deslegitimar. Então, quando Castillo fez parte de uma série de greves do professorado, dos professores de escolas, por melhorias econômicas, ali poderia haver algum grupo, entre eles, que tivesse relação com o Sendero Luminoso, mas ele não tem. Isso tem a ver com o que no Peru se conhece como “terruquero”, que vem de “terrorista”. 

É uma forma de acusação que se faz para deslegitimar a qualquer pessoa, acusar de “terruco” é a pior coisa que se pode fazer.

E isso vem de pessoas que apoiam um regime terrorista, pois o fujimorismo praticou terrorismo, né…

Sim, terrorista. O fujimorismo é corrupto. É populista-fascista, digamos. O que ocorre é que o conflito armado interno aqui foi duríssimo, é uma acusação mais grave do que ser corrupto. Assassinatos, ataques, crise econômica. Há uma diferença entre quem usa esse termo, quem é mais propenso a usá-lo, pois se viu terrorismo dos dois lados. 

Nas províncias em que houve um processo paradoxalmente mais próximo ao Sendero Luminoso, conhece-se mais uma série de matizes, e isto sequer é dizer que se aceite os crimes do Sendero, simplesmente o consideram melhor, então fazer essa acusação é irresponsável. Mas em Lima… é muito parecido com o Brasil, muitos limenhos fazem muitas acusações. Que ele é “pró-Sendero”, que é “ecologista radical”, “revoltoso” ou parte de alguma outra coisa ameaçadora que nem eles sabem o que é. A principal diferença é que Lima é a capital centralista urbana, onde se concentra muito a classe média branca, a classe média mais alta. 

As regiões onde Castillo teve maior votação são de maior presença do campesinato e de muitas populações indígenas. Por um lado, posso te dar um exemplo do enfrentamento que houve em anos anteriores. Por exemplo, as concessões a mineradoras. As maiores mineradoras, que pagam em torno de 5 bilhões de dólares, não estão em Lima, não sonham estar em Lima. Sonham estar em diferentes partes do Peru. Mas as decisões se tomam em Lima. Então o governo pode ser muito concessivo, ceder terras a mineradoras, e para o povo de Lima isso é perfeito. [Dizem] “Sejamos ricos, vendam essas terras”, mas onde ocorrem essas concessões, que são zonas rurais, enfrenta-se a contaminação, a destruição do meio ambiente e a absorvição do seu meio de vida. 

Toda a vida da população gira em torno da mineração. Os grandes protestos de mineiros podem encontrar em Lima muita resistência. Dizem: “qual o problema?”. Aqui [em Lima], nós não sentimos, não vamos morrer por contaminação por mercúrio. Então os limenhos podem ser muito superficiais quando se trata desse tipo de coisa.

E você acredita que o voto em Castillo foi uma forma de protesto?

Pode ser um voto de protesto contra o centralismo limenho e as postergações históricas. Certamente, ninguém esperava que Castillo passasse, ele tinha um percentual muito baixo de votação nas pesquisas, quase não aparecia, figurava mais a candidata de esquerda que já se postulou antes, a Verónica Mendoza, muito boa candidata, com uma equipe técnica muito boa e parecia mais provável que ela passasse. 

Acontece também que a direita se dividiu em três partidos. Em um estava Hernando de Soto, que é um economista, uma direita técnica; Keiko Fujimori, que é a direita tradicional, a direita tecnocrática dos anos 90, linha dura e corrupta; e surgiu um outro candidato que copiava as maneiras de Bolsonaro — chamado López Aliaga. Ele se apresentava como o “Bolsonaro peruano”, em alguns momentos seus fãs o chamavam assim. É um candidato ultraconservador, antiaborto, contra direitos dos gays, linha dura, repressor, toda a plataforma de Bolsonaro e Trump. Isso permitiu que o voto da direita se dividisse em três mãos. A direita técnica, a direita fujimorista e a direita fundamentalista, ultra-direita. 

E bom, isso fez com que esse professor fizesse uma campanha muito boa, longe dos centros do país, em comunidades rurais andinas, e isso é muito mais inteligente. Os meios [de comunicação] mais atrelados a ideias contra a esquerda começaram a deixá-lo de lado, ele não se apresentou nos meios. Fez uma campanha praticamente de aldeia em aldeia. A direita não o atacou porque não o viu. Não tiveram registro dele. Atacaram a outra candidata de esquerda, atacaram muitíssimo. Tanto que o deixaram passar. Porque não o viram. 

Mas foi muito duro, porque o candidato de ultra-direita esteve a ponto de chegar ao segundo turno, fez uma votação muito alta. Ele fez uma espécie de terror, muito parecido com o de Bolsonaro e Trump. E se apresenta como um tipo diferente, é um milionário, tem muito dinheiro, é perturbador, [apresenta-se] como anti-político, mas mais à maneira de Trump e Bolsonaro, que “diz as coisas como são”. Insultava pessoas, dizia “vamos acabar com tudo isto”, “o povo pensa como eu e por isso sou atacado”. Esteve próximo de passar ao segundo turno, foi um alívio. Castillo saiu mais à frente, logo em seguida Keiko e muito próximo esteve o “Bolsonaro peruano”, Rafael López Aliaga. 

Ele disse coisas, como em uma entrevista, disse que é do Opus Dei. Um conservador católico. Ele dizia que há 40 anos não tem relações sexuais, que é casto porque entregou sua vida à Virgem, e a única mulher que ama é a Virgem Maria. Que quando vê uma mulher atraente na rua, basta pensar na Virgem Maria para suprimir seu desejo sexual [risos]. Sim, dizia coisas como esta, insultava jornalistas… há uma jornalista a quem ele disse: “eu posso trazer a vacina, porque sou milionário e posso falar com o presidente dos Estados Unidos”. Este senhor não tem ideia do que está falando. Ele é um estúpido, um idiota. Apesar disso, teve uma votação muito significativa. 

Uma ressalva contra Castillo entre a esquerda brasileira é que ele seria conservador nos costumes. Você concorda? Gostaria que falasse sobre essa questão. 

Há uma esquerda que é um pouco moderna, digamos, e há uma esquerda que é antiaborto, por exemplo. Digamos assim, há uma esquerda que é sim patriarcal, antiaborto, anti-homossexualidade, que não aceita o percurso muito facilmente, são homens de 50, 45 anos, que têm seus preconceitos da sociedade latinoamericana, repreensíveis e problemáticos. Há outra parte da esquerda que não é homofóbica, que não é antiaborto, mas que diz: “olhem, esses direitos são importantes, mas agora o que devemos fazer é nos focarmos no poder, na crise econômica. O importante para agora é termos a plataforma política para fazer a mudança”. E há os outros que querem desconstruir. 

Então há um conflito entre essas três forças: a esquerda antiga, patriarcal; a que pensa que sim, que acha que está certo [pautar questões ligadas aos costumes], mas que não é prioridade; e a esquerda mais moderna. Ora, é possível que tenha avançado a esquerda que tende a não dar essa prioridade. Acontece que as pessoas estão tão afundadas na pandemia, que parece que não estão preocupadas em tratar de temas de gênero todos os dias. Somos um dos países mais golpeados pela pandemia, então uma plataforma mais inteligente, ou mais hábil, mais simpática, para que as pessoas realmente entendam que essas mudanças também são importantes e não têm por que ser deixadas de lado, é incluir. Fazer muito trabalho de inclusão. 

Até porque do outro lado havia uma opção bem mais conservadora… 

O que acontece é que os fujimoristas estão tão desesperados por retomar o poder, que Keiko mudou de opinião sobre esse tema muitíssimas vezes. Durante a campanha, para ganhar votos, ela pode dizer: “agora estou a favor do casamento homossexual”. No entanto, em outro momento pode dizer: “não, não sou a favor”. Duas semanas depois, pode dizer: “sim, queremos incluir a todos, mas não por lei”. E efetivamente, são conservadores em forma, qualquer possibilidade neste sentido sempre será muito oportunista. 

A razão pela qual ela se candidatou é para não ser presa. É a principal razão. Na campanha passada, ela prometeu que não iria se candidatar nunca mais, que o fujimorismo iria se renovar. E a única razão pela qual se candidatou é uma acusação que pode levar a quase 30 anos de cadeia. No melhor dos casos, 15 anos. Ela, seu irmão, seu esposo, seus irmãos e toda a cúpula do fujimorismo estão implicados como organização criminosa. 

Em primeiro lugar, esta é a razão pela qual ela se candidatou e, em segundo lugar, é a razão pela qual se nega a aceitar os resultados. A partir de quando se aceita o resultado, ela passaria a ser uma cidadã a mais, portanto sujeita a ser processada. Então estamos em uma situação horrível porque ela não quer aceitar que perdeu, porque quando disser que já perdeu, não haveria mais o que fazer em relação ao julgamento que já está aí. Então já estamos há semanas nesta tensão.

Peru: linha do tempo da história política recente (1990-2021)

Você acredita que pode haver, como na Bolívia, algum arranjo com a OEA para acusar a eleição de fraude? 

Fraude não há, absolutamente. Isto é seguríssimo. O que tem ocorrido são acusações absurdas, os advogados mais caros de Lima se uniram a ela, é quase um diagrama no Peru; os advogados brancos ricos se uniram para tentar anular os votos de populações campesinas. 

E qual seria a possibilidade de um golpe de Estado, como fez a direita boliviana, por exemplo? 

O que acontece é que se alguém vir o mapa do Peru nas votações, poderiam tentar [um golpe] ao custo de quase uma guerra civil. Porque não é que as pessoas estejam em cada região, há regiões completamente anti-fujimoristas. Vastas regiões do país. Então teriam que quebrar o país ao custo de sangue. São capazes? O fujimorismo, Keiko, é capaz? É capaz, porque até agora, tem demonstrado ser capaz de coisas piores. Mas esperemos que a última brisa de razão lhe chegue. Porque agorinha estão falando no Peru de guerra civil, porque se ela insistir questionando a eleição, as pessoas podem perder o controle. A direita pode, como você disse, tomar suas próprias decisões. 

Muito perigoso e muito irresponsável o que fazem. Perderam de qualquer maneira. Jogaram com suas regras, porque todo o tempo disseram à esquerda para que joguem com as regras da democracia, e aí está, a esquerda jogou e ganhou. E que acreditavam que nunca iria passar, passou. No Peru temos a impressão de que seja Achacute, um mito incaico da inversão do mundo. É um mito que diz que o Império Inca vai voltar e reverter tudo. 

Qual a força do fujimorismo no Peru? Vemos apoio até de gente muito respeitada, como Vargas Llosa…

É relativa. Não é só Vargas Llosa, mas muitíssima gente que não só não apoiava Keiko, que dizia que jamais a apoiaria, agora veio a apoiar. Sua força vem, claro, diante do desespero de muita gente em haver um governo de esquerda. Muita gente pôs as apostas em Keiko, deixando de lado seus escrúpulos, seus princípios, e diziam que “qualquer coisa, menos a esquerda”. E o mito que usaram para deslegitimar a esquerda é que vamos fazer como a Venezuela. O mesmo que no Brasil. Sim, no Peru chegaram quase um milhão de venezuelanos e podemos ver em todas as partes, trabalhando em restaurantes, trabalhando em mercados. Então o mito é: “se quer que sejamos como a Venezuela, então vote na esquerda”. 

E esse temor, pois muita gente é influenciável e acreditou que qualquer coisa, até uma organização criminosa, é melhor do que a esquerda. E por isso o estavam apoiando tão absurdamente.

Por que o Sendero Luminoso gera tanto medo na população?

Primeiro, porque efetivamente seus crimes foram horríveis. Era uma organização muito dogmática, muito autoritária. Mas há mais outra razão. E esta razão é que legitima o fujimorismo e governos posteriores, que mantiveram vivo este demônio, que em espanhol chamamos de Cuco, um monstro do qual têm medo, que pega as crianças. 

Bicho-papão, aqui no Brasil. 

Claro. Isso, bicho-papão, Cuco. Então, muitos governos o mantêm, porque se há uma revolta ambiental, dizem: “nesta revolta, no fundo, devem haver senderistas”. Se há uma revolta por defesa de terras agrícolas, a direita vai dizer: “o que ocorre é que camponeses estão sendo manipulados pelo Sendero”. Manter vivo o mito do Sendero é muito útil a essas castas, porque os permite deslegitimar ou tentar deslegitimar qualquer proposta. Inclusive neste caso de Castillo. Primeiro tentaram dizer: “ele é do Sendero”. 

[Eles dizem] “Tudo aquilo que virmos como ameaça, vamos dizer que ali está o Sendero”. Então é constante essa propaganda. O Sendero agora é um grupo narcoterrorista confinado a algumas zonas cocaleiras da selva peruana, mas há ficções como de que haveria dezenas de senderistas, milhares de senderistas metidos em aparatos estatais e que vão despertar um dia, vão fazer tudo de antes. Que é muito parecido com a mensagem da direita do Brasil, do Chile, da Colômbia…

Castillo seria a experiência mais à esquerda que o Peru já teve? 

Há um militar que deu um golpe de Estado e era de esquerda, considerado filossocialista, o presidente [Juan] Velasco. Nunca foi presidente, mas chefe da junta militar. Muito sui generis, porque foi uma junta militar entre os anos 1968 e 1975, quando muitos países tiveram ditaduras militares de direita, ele foi um deles, mas um militar autoritário de esquerda. E com esse poder, o que fez foi realizar a reforma agrária, que não teria sido possível realizar por meios democráticos, porque para direita, essa é uma coisa… a maior referência para o crescimento do socialismo é a reforma agrária. 

Mas os militares conseguiram impor e assim quebrar a oligarquia. Impossível fazer de outra maneira, por outro lado. Eles mesmos não se consideravam de esquerda. Eram nacionalistas, até diziam estar contra o chamado “perigo cubano”, “não queremos uma revolução como a cubana, mas somos nacionalistas, queremos o melhor ao povo”. Efetivamente, parte da reforma agrária foi incentivada pela luta dos camponeses. Este é o referente de esquerda que há no Peru. Todos os outros governos e toda a imprensa que haviam então se dedicaram a satanizar esse presidente. E criou um monstro, um fantasma. Mas o povo, agora em mudança, está se valorizando muitíssimo. 

Há setores de centro e de centro-direita que apoiaram Castillo por serem contra Keiko?

 Efetivamente, o fujimorismo apesar de tudo tem tão má fama, que assim que se anunciou que ela seria candidata, gente de centro, de centro-direita e alguns de direita disseram que jamais votariam e que não iria passar. Historicamente, cerca de 50% da votação geral tende a ser de quem não votaria jamais por Keiko; enquanto que a candidatura de Castillo, articulando-se como uma alternativa de esquerda, funcionou e ele chegou em primeiro lugar.

 Foi desesperador, porque por mais que houvesse apoio a Castillo, é óbvio que era uma candidatura que não se imaginava chegando em primeiro lugar. Passar de nono lugar nas pesquisas para primeiro e favorito gerou uma improvisação tremenda. Não havia equipe disso, não havia políticas daquilo, não havia elaborado o plano… demoraram várias semanas para fazer uma aliança com a esquerda que se oferecia: “temos técnicos, temos planos e lhes oferecemos”. Mas demoraram muitíssimo, a ponto de quase perder as eleições. Por fim, entraram em acordo, fizeram uma grande aliança, os técnicos em economia da candidata de esquerda Verónica Mendoza, que são muito competentes, contribuíram na agenda.

Perderam-se quase um milhão de empregos devido à pandemia, morreram cerca de 180 mil pessoas e muitos negócios foram paralisados. O principal que tinham de fazer era recuperar a confiança econômica. 

Como tem sido a política do governo atual diante da pandemia? 

É necessário deixar claro o que é o governo atual, porque houve três presidentes nos últimos quatro anos. PPK, derrubado; Vizcarra, derrubado; e Sagasti, que não foi derrubado, porque o povo já tinha saído às ruas e, pela última vez, quando impeacharam Vizcarra, assumiu um presidente de direita [Manuel Merino, que presidiu o país por cinco dias]. O povo saiu às ruas durante três meses seguidos, morreram três garotos e caiu esse governo, só por isso não se atreveriam a derrubar mais um presidente. 

Vizcarra não se saiu bem, fez terrivelmente mal, frivolamente; este presidente atual não o fez muito bem, vimos um escândalo chamado “Vacunagate”. Eis que se descobriu que quando houve a aquisição da vacina, na primeira dose experimental que era para experimentar, chegaram mil e tantas vacinas, e Vizcarra se vacinou. “Vacinem a mim, vacinem minha esposa, vacinem meus irmãos”, vacinaram funcionários, a ministra da Saúde se vacinou escondida. Então perdeu-se totalmente a confiança. Na verdade, quando se descobriu que funcionários haviam roubado a vacina para vacinar a si mesmos, muita gente quis se atirar do precipício. Vizcarra está completamente desprestigiado por isso.

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