Ai que saudade d’ocê: as festas juninas no Nordeste

Festejos juninos são uma bela expressão da identidade de uma região lembrada, muitas vezes, por suas mazelas. Perdê-la temporariamente, é perder um pouco de quem somos

Por Carolina de Mendonça

Os festejos do mês de junho ocorrem para comemorar o dia de três santos católicos: Santo Antônio, no dia 13; São João, no 24; e São Pedro, no dia 29. Esse grande festival tem origem na Idade Média em comemorações pagãs, sem diminuir a sua popularidade, a Igreja Católica aderiu às festas.

Durante a colonização do Brasil, a festa é trazida pelos portugueses e se mistura com as tradições dos diversos povos indígenas e africanos, tendo características específicas em cada lugar onde se manifesta. Em relação à região Nordeste, do litoral ao sertão, milhares de pessoas se reuniam, muitas vezes debaixo de fortes chuvas ao som de forró, com comidas a base de milho e outras delícias típicas, em volta de fogueiras, soltando fogos e dançando quadrilha. E todo tempo enquanto houver para dançar ainda é pouco.

Em junho, a região brasileira estereotipada pelos seus problemas, ainda presentes, de fome e de sede, se mostra pulsante, contagiante e bela. Através de incentivos privados e governamentais, através da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), as festas do mês de junho na região se tornaram parte do calendário turístico nacional. A comemoração de origem sagrada é majoritariamente profana e, nas últimas décadas, tem sua tradição visitada, misturada, e por vezes roubada, pela cultura de massa. Com o atual cenário pandêmico as comemorações foram bruscamente modificadas.   

Oh, chuva! Eu peço que caia devagar, só molhe esse povo de alegria, para nunca mais chorar

As festas que acontecem em junho no Brasil foram trazidas pelos colonizadores portugueses. No hemisfério norte, tratava-se das celebrações do solstício de verão para populações pagãs, como celtas e germânicos, que comemoravam as colheitas. A igreja católica se apropriou dessas comemorações e passou a dedicá-las a São João Batista, santo primo de Jesus Cristo, que, de acordo com a bíblia, uma fogueira anunciou seu nascimento. Por volta do século XIII, Santo Antônio e São Pedro passaram a ser homenageados no mesmo mês.

No hemisfério sul, solstício de inverno se inicia em junho, no agreste e no sertão do Nordeste os mandacarus irão florescer e logo a caatinga estará verde por conta das chuvas. A fartura do meio rural ressoa até o litoral e toda região comemora a chegada do inverno e homenageia os santos católicos. Com milhos assados e cozidos, canjica, pamonha, munguzá, amendoim cozido e muito licor dos mais diversos sabores. Com passos bem-marcados de quadrilha. Fogueiras acessas nas portas das casas na véspera da festa do dia de cada santo. Diversas superstições que vão de casamento até a morte. A festa católica exala uma alegria profana.

Assim como no carnaval, as festas juninas são um momento de extravasar e fantasiar. Nas quadrilhas os integrantes podem ser rainhas do milho, padres, noivas, Maria Bonita e Lampião e outros personagens do imaginário popular. Com roupas coloridíssimas e feitas com muito esmero as quadrilhas enfeitam os salões e dão um especial brilho as festas de São João.

De acordo com Artigo 42 da Lei de Crimes Ambientais, balões são proibidos, não sendo possível mais acompanhar a subida e sumiço desses no céu por risco de incêndios, para além de corações. Porém, a beleza e alegria dos fogos de São João permanecem com traques de massa, traques de salão, espadas de fogo, vulcão, barco de fogo e outros artefatos que com muita pólvora e tradição encantam os olhos e arrancam sorrisos. Nas trincheiras da alegria só explodia amor.

Quando chega mês de junho na rua de São João o forró vai começar

Em meados de maio, por vezes ainda no final de abril, as cidades onde aconteciam festas juninas começam a se arrumar. Bandeirolas coloridas são penduradas nas ruas, estabelecimentos privados, casas e quaisquer outro espaço que anuncia a chegada do período junino. Quadrilhas profissionais ou de crianças e adolescentes ensaiam continuamente seus passos. Entre xote, xaxado e baião e fazem caracóis, quebram caranguejos, pula de cobras e esconde da chuva. Em todos os espaços se ouve forró, sejam seus clássicos ou os mais modernos, que faz pessoas das mais diversas classes sociais e idades cantarolam e imploram: Meu baião! Coração! Arranca essa dor do meu peito pra eu não chorar.

Ao chegar junho se intensifica um clima de festa. Chegam turistas, comércios contratam trios pé-de-serra, se reencontram amigos e parentes, se planejam viagens… É um deleite! Pessoas do mundo inteiro invadem as cidades nordestinas. São montados arraiás com aspecto que lembram as pequenas cidades do sertão e palcos imensos para grandes atrações. E, comumente, debaixo de muita chuva milhares de pessoas dançam coladinhas dois pra lá e dois pra cá, podendo por algumas noites esquecer os problemas do cotidiano.

O São João no Nordeste, apesar de ser visto apenas como uma comemoração local nas outras regiões do país, é gigantesco. Cidades como Caruaru (Pernambuco), Campina Grande (Paraíba) e Mossoró (Rio Grande do Norte) receberam por volta dos milhões de turistas na última edição, realizada em 2019. Pelo potencial lucrativo da festa, a indústria cultural buscou se apoderar dessas comemorações. E com isso, ritmos tradicionais e bandas locais disputam, de forma desigual, espaço com artistas da cultura de massa. 

O forró eletrônico com seus shows gigantescos, com muito músicos, iluminação e apelo midiático, predomina sobre o forró pé de serra tocado apenas por um trio formado por um sanfoneiro, um zabumbeiro e um triangulista. As festas se tornam um híbrido entre a cultura de massa e a tradição.

Não apenas novos artistas de forró da região tornam estrelas dos shows, ritmos como calipso (da região Norte) e o sertanejo (da região Centro-Oeste) fazem parte dessa caracterização capitalista do São João. O Sertanejo Universitário dominou esse espaço nas últimas edições, com justificativa de apelo ao público. As festas populares se afastam de seu aspecto tradicional e se tornam produtos de consumo adaptados ao mercado.

Essa capitalização dos festejos juninos tem como consequência o incremento econômico nesse período. Nas cidades em que há festas se tem significativo aumento de empregos temporários direta ou indiretamente, o ramo hoteleiro tem alta e as vendas no comércio aumentam. Sujeitos em empregos informais têm possibilidade de acréscimo sua renda nesse período, especialmente aqueles que trabalham com música, artesanato, gastronomia e bordado. Economicamente esse período no Nordeste é comparado ao Natal.

Num outro dia a gente se vê, vou pr’um lugar que lembre do sertão

O último São João foi realizado em 2019. Em 2020, ele prometia quebrar recordes, mas precisou ser adiado por conta do início do contágio comunitário do COVID-19 no Brasil, pouco após o carnaval. Desde então a situação brasileira tem significativa piora, entre mortos pela doença, mais pessoas em situação de insegurança alimentar e fome, falta de perspectiva para a população.

Com insegurança sanitária, a realização de eventos de grande porte tornou-se impossível. Devido ao desprezo do Governo Federal na prevenção de contágio da população e imunização, junto ao descaso de diversos governantes estaduais e municipais, não é possível contar com uma previsão do retorno desses festejos. Os quais milhares de pessoas, por vezes cidades inteiras, tiravam sustento de meses. E podiam ser, durante aquele mês, felizes.

Os festejos juninos são uma bela expressão da identidade de uma região brasileira lembrada majoritariamente por suas mazelas. Perdê-la, mesmo que de forma temporária, é perder um pouco de quem somos. Ter um pouco menos da alegria contagiante que passada adiante a cada geração.

A saudade do espetáculo anual tá fazendo roer e amargando qui nem jiló,mas como indicado pelo grande mestre Luiz Gonzaga remédio para saudades é cantar, divido com vocês a playlist que fiz para lembrar do São João e ouvi enquanto escrevia essa coluna.

 

“Chorando igual uma sanfona”, playlist por Carolina de Mendonça

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