Notas sobre liberdade de expressão, capitalismo e o cenário brasileiro

O problema do Brasil é estrutural; a luta por liberdade de expressão, no sentido concreto do termo, é uma dos eixos para resolvê-lo

Por Leopoldo Neto

Bolsonaro nunca escondeu sua apreciação por torturadores, que tem como maior exemplo a admiração publicamente declarada por Carlos Alberto Brilhante Ustra – conhecido por torturar inclusive crianças no período autoritário vivenciado pelo Brasil entre 1964 e 1985. Esta admiração pela chamada linha-dura da ditadura militar brasileira apenas mostra quem Bolsonaro é e como o bolsonarismo se articula enquanto projeto de poder. O fascismo se trata somente do capitalismo em sua essência, sem qualquer mecanismo de negociação com os seus explorados. Um sistema econômico que, quando a propriedade privada é colocada em perigo, não pensa duas vezes em apoiar os mais sádicos líderes em um plano de dominação.

No período da ditadura, para modernizar o capitalismo brasileiro e barrar a possível construção de um projeto reformista de esquerda, os militares, com apoio da burguesia nacional e dos Estados Unidos, planejaram um golpe civil-militar que implantou uma ditadura, cujo objetivo era instaurar um projeto de desenvolvimento capitalista autoritário em âmbito nacional. E quando foi necessário torturar, censurar jornais e prender jornalistas que ameaçaram este projeto – envernizado sob acusações como “subversão” e “ameaça à ordem” – não se pensou duas vezes.

O Brasil passou por um processo de redemocratização de cunho liberal e moderado. Houve todo um cuidado arquitetado pelos autocratas Ernesto Geisel, Golbery do Couto e Silva e João Baptista Figueiredo para que a transição não tocasse na estrutura econômica plutocrática e na propriedade privada. Os militares também tinham medo de um possível “revanchismo” advindo da esquerda, pelo período em que cometeram as piores atrocidades em nome da ordem pública. O Brasil é o país da anistia ampla, geral e irrestrita, afinal de contas.

Certos direitos conquistados, em uma democracia bem diferente daquela que Petra Costa idealiza em seu “Democracia em Vertigem”, irritam a burguesia até hoje, como um sistema público e gratuito de saúde – que, apesar de 30 anos de neoliberalismo no Brasil, consegue atender milhões de brasileiros. O bolsonarismo, como bem reitera o jornalista Bruno Torturra, é um projeto auto xenófobo que visa esmagar quaisquer identidades e conquistas brasileiras. Aliados a uma burguesia nacional entreguista que só tem por objetivo rifar o Brasil ao exterior e encher os bolsos de dinheiro, eles atacam qualquer possibilidade de um projeto nacional que vise a soberania nacional e enfrente suas dificuldades no plano estrutural.

Bolsonaro venceu as eleições em um cenário no qual o candidato com mais intenções de voto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi preso em um processo totalmente arbitrário, viciado e comandado por uma equipe que pouco se valia de qualquer critério ético em sua condução. O antipetismo, discurso que se apropria de certos erros do chamado lutopetismo, bem como da aversão de certos jornalistas, intelectuais e da elite a um projeto minimamente popular no Brasil, foi outro fator importante nessas eleições: uma parte considerável da classe média brasileira preferiu se ausentar ou apertar 17 nas urnas em vez de votar em um social-democrata moderado.

Lutar por liberdade de expressão, no plano concreto

O protótipo de ditador brasileiro nunca escondeu suas vocações autoritárias e sempre buscou aparelhar toda e qualquer instituição ao seu comando para esconder os crimes de seus filhos. As consequências dos ataques realizados por Bolsonaro à imprensa de maneira sistemática, incentivadas pelo já conhecido gabinete do ódio, pelo próprio presidente e pela sua militância, devem ser analisadas com preocupação para todos e todas aqueles/as que acreditam que a liberdade de expressão – com responsabilidade, ética e crítica – é uma instância fundamental para a construção de uma democracia radical.

Não sejamos ingênuos, o jornalismo burguês brasileiro ajudou a apoiar Bolsonaro quando se isentou, no segundo turno, em vez de apoiar Fernando Haddad. Ou quando perseguiu sistematicamente governos petistas. Ou também quando foi parte ativa no golpe de Estado que Dilma Rousseff sofreu. Este modelo de jornalismo não se importaria minimamente em apoiar um candidato com as mesmas pautas econômicas de Bolsonaro, porém com um discurso polido – ou seja, trata-se de um problema no plano estético, não no plano ético.

Historicamente, os meios de comunicação nacionais ou seja, uma das instituições responsáveis por construir e valores, representações e percepções de mundo e que, portanto, pautam a opinião de diversos públicos estão alinhadas à burguesia brasileira e, embora possam ser encaradas como espaço de múltiplas contradições, se alinham à essa em decisões que tocam o seio estrutural da sociedade brasileira. De acordo com o Media Ownership Monitor (MOM), iniciativa que mede as ameaças da alta concentração de propriedade privada dos meios de comunicação nacionais, a arquitetura midiática brasileira mostra “alta concentração de audiência e de propriedade, alta concentração geográfica, falta de transparência, além de interferências políticas religiosas”. Cinco ou seis proprietários concentram mais da metade dos veículos: “A mídia brasileira de maior audiência é controlada, dirigida e editada, em sua maior parte, por uma elite econômica formada por homens brancos” (MEDIA OWNERSHIP MONITOR, 2017).

Em tal horizonte, mostra-se totalmente inviável afirmar que existe um cenário pleno de liberdade de expressão no Brasil. Informação de qualidade é um bem público e, portanto, deve ser valorizado como tal. Não há resposta simples para uma questão complexa, porém certas inferências podem ser realizadas na tentativa de propor chaves-explicativas ao debate: 

1) A necessidade de regulamentação dos meios de comunicação, barrada por grupos hegemônicos que se apropriam do discurso de que se trata de censura, poderia pluralizar a mídia brasileira de um cenário marcado pelo oligopólio e tornar a circulação de ideias mais diversa; como também colaborar com a construção de um jornalismo mais crítico e engajado, modelo este que muitas vezes se esgota na discussão normativa sobre a profissão. 

2) O apoio aos jornais alternativos, a partir da leitura assim como do apoio financeiro; 

3) A conscientização das novas gerações a ter ferramentas para interpretar os meios de comunicação de massa o que pode ser interpretado sob a ótica de uma alfabetização midiática em uma sociedade bombardeada por símbolos; 

4) Por fim, de maneira mais profunda, se enquadra a necessidade de compreender que, enquanto instituição social, o jornalismo possui limitações estruturais e não consegue resolver a complexidade do problema isoladamente. Para uma democracia radical, a circulação de informações é importante para mobilizar a participação pública. Contudo, movimentos populares e de base bem como partidos políticos de esquerda devem se articular, junto aos veículos jornalísticos, para a construção de uma práxis que vise a superação do capitalismo. As plataformas digitais são dominadas por interesses neoliberais e matizes diversas da extrema-direita; todavia, possuem brechas que devem ser aproveitadas para a politização à esquerda dos usuários da internet e para a criação de fóruns de debate e de ação política. O problema do Brasil é estrutural, a luta por liberdade de expressão, no sentido concreto do termo, é um dos eixos para resolvê-lo.

leopoldo neto

Editor-chefe

Jornalista e mestrando em Comunicação. Possui interesse em jornalismo político, científico e cultural. Busca explorar o formato podcast.

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