Despolitização a um compartilhamento: a política do território na internet

As redes sociais estruturam-se sob o controle de interesses privados, porém podem ser utilizadas para difusão de ideias, valores e concepções de mundo progressistas

Por Carolina de Mendonça

Nas últimas décadas, uma nova plataforma de comunicação modificou a humanidade nos mais diversos sentidos. A internet trouxe diferentes formas de se expressar, relacionar, trabalhar, estar no mundo; assim como novas percepções de temporalidade e de espacialidade. As transformações também se deram no contexto político, a internet se tornou um significativo espaço de disputa de narrativas e mobilizações políticas a partir da década de 2010. Na década passada, percebe-se um crescimento os usuários da internet no uso das redes sociais. 

Estas, criadas com o intuito de aproximar virtualmente sujeitos que tenham contextos e/ou interesses em comum, permitindo com que os usuários criem os conteúdos que desejam compartilhar. Logo, essas redes se tornaram espaços para se discutir política em vieses diferentes da mídia hegemônica. 

Das insatisfações nas redes sociais para as ruas 

No final do ano de 2010, o jovem tunisiano Mohamed Bouazizi ateou fogo contra si pelo desespero em que estava no seu contexto de trabalho, um descaso estrutural que afetava parte da população de sua região. Seu ato foi o estopim para uma série de revoltas resultantes da Primavera Árabe – conjunto de manifestações populares de nível continental que ocorreram em países do Oriente Médio e norte da África. 

As revoltas foram possíveis graças às redes sociais, espaços onde foi possível debater as reivindicações políticas e articular as manifestações públicas. No entanto, as alas progressistas dos movimentos acabaram sufocadas e regimes fundamentalistas apoiados pelos Estados Unidos acabaram por se apropriar do poder, piorando a situação. No Brasil, a “primavera” chegou em meados de 2013, após aproximadamente duas décadas de uma aparente calmaria política desde os “caras pintadas” – movimento pelo impeachment de Fernando Collor de Melo. 

Nas vésperas da Copa das Confederações e iniciada contra o aumento nas tarifas de transporte público, as ruas se tornaram palco para os mais diversos sujeitos com suas mais diversas pautas – contra o aumento nas passagens de transportes públicos, pela educação, por mais investimentos em saúde, contra corrupção, contra os gastos da Copa do Mundo de Futebol, pelos direitos da população LGBT+, pela legalização da maconha e até pela intervenção militar. 

As emblemáticas frases que tomavam conta dos protestos eram das mais diversas em interesses e origens. “Não vai ter copa” se referia aos exorbitantes investimentos públicos nos eventos esportivos; “Vem pra rua” inicialmente presente em uma propaganda de carros se tornou convite para mais manifestantes somarem forças ao movimento; “O gigante acordou” se referindo a força do povo quando toma as ruas; “Não é só pelos 20 centavos”, com referência ao aumento no valor da passagem do transporte público na grande São Paulo que deu estopim as manifestações e a indignação da população ser maior que os problemas com transportes públicos; “Isso a Globo não mostra” referindo as escolhas narrativas do Grupo Globo e dos conglomerados midiáticos, a qual população começou a perceber que condizia com os interesses de um pequeno grupo. 

As mobilizações ganharam força ao se organizarem, também, pela internet. Os atos após hora e local definidos se tornavam eventos no Facebook, onde os usuários dessa rede poderiam marcar, compartilhar com os amigos e ser notificados no momento da manifestação. O microblog Twitter tinha narrações ao vivo dos protestos em até 140 caracteres. A internet se consolidava enquanto território a ser conquistado na política brasileira. O movimento era orgânico, funcionou como uma catarse das insatisfações políticas daquele momento que o Brasil ainda engatinhava para consolidação de sua democracia que acabava de renascer após uma ditadura militar. A internet se deu como território chave para disputa política e assim se inicia uma guerra de narrativas para conquista do espaço virtual. 

Definição de territórios a ser conquistados 

Não há dúvidas que a direita no Brasil saiu à frente da conquista dessas trincheiras virtuais. Alguns sujeitos mais radicais à direita iniciaram a utilização do Youtube para compartilhar vídeos com as “verdades que te escondem” – todos mentem: seja escola, mídia, família, políticos, apenas aquele sujeito diria a verdade. Assim, conquistaram uma massa principalmente composta por jovens insatisfeitos com a situação do país e que passaram a se sentir pertencentes a um seleto grupo que finalmente sabe da “verdade”. 

Uma estratégia de despolitizar a população, espalhar informações falsas, fragilizar a realidade e inflar uma política com princípios de extermínio do diferente. Esses produtores de conteúdo obtiveram grande espaço, influenciados pelos algoritmos, devido ao fato de que as redes sociais se ancoram em plataformas digitais controladas por interesses advindos de grandes corporações. As esquerdas brasileiras, apesar de não terem o auxílio da plataforma das redes sociais a seu favor, também eclodiram nos meios digitais, em novos formatos de comunicação alternativos à aos meios de comunicação tradicionais. 

Novos veículos de mídia, comunicadores políticos, movimentos sociais passaram a emergir no espaço da internet para lutar. As pautas progressistas ganham força nas redes sociais, apesar da dificuldade sobredita com o golpe da direita na política institucional, em 2016, e a posterior ascensão do fascismo nas eleições de 2018. Os acirramentos políticos trouxeram uma emergência de posicionamento dos indivíduos. Porém, é preciso tomar cuidado, pois diferente da direita, que busca manter o status quo, as pautas progressistas não podem ser comunicadas de forma imediata e pouco aprofundada. 

A extrema fluidez de tópicos nas redes sociais é contrária a um viés educativo que a comunicação progressista, em especial da esquerda radical, necessita. É preciso de atenção para datas de luta, situações infortunas e até mesmo contextos políticos não se tornem frases de efeito que contribuem a despolitização. Frases impactantes não devem resumir temas complexos O dia 18 de maio é importante para as lutas anti-opressão no Brasil, pois em 1987, na cidade de Bauru (São Paulo), grupos favoráveis às políticas antimanicomiais tiveram um encontro no qual surgiu a proposta de reforma do sistema de saúde mental do país. Desde o ano de 1988, a data simboliza um momento de luta e de reflexão sobre a situação manicomial no Brasil. Lemas da luta como: “Por uma sociedade sem manicômios” e “Nenhum passo atrás, manicômio nunca mais!” são intensamente compartilhados no dia 18 de maio entre os que se posicionam no espectro mais à esquerda na política.

 A ideia de uma sociedade sem opressões sistemáticas por diagnósticos psicopatológico é radical. É necessária a compreensão e a luta contra uma lógica que se apropria da ciência para segregar sujeitos, lógica esta que é o pilar do sistema capitalista. Os lemas, apesar de belos, não podem ser descontextualizados de sua condição sócio-histórica pelo risco de esvaziá-los e se tornarem conotados por uma lógica oposta à defendida pela militância antimanicomial. O The Intercept Brasil, em novembro do ano passado (3), publicou uma matéria que causou comoção imediata de seus leitores, viralizando de instantânea e organicamente hashtags sobre o tema. 

O título da reportagem trazia uma sentença inédita, favorável a André de Camargo Aranha, de “estupro culposo” no desfecho do caso de estupro sofrido pela modelo Mariana Ferreira – conhecida como Mari Ferrer, após expor o ocorrido em página do Instagram. A reportagem abordava diversas violências sofridas pela jovem durante o processo; além de um vídeo no qual ela, durante o julgamento, é humilhada pelo advogado do réu. Hashtags com as frases: “Justiça por Mari Ferrer” e “Não existe estupro culposo” logo viralizaram nas redes sociais. O tema estava em alta e publicações a cerca dele tinha um potencial de alcance maior que outros temas. Foram criadas artes dos mais diversos formatos com os dizeres levantados nas tags. Os debates acerca do caso focaram-se em discutir a sentença do caso e a ética jornalística na escolha do título da reportagem. Temas de extrema urgência para o país, mas debatidos como caso isolado daquele julgamento e daquela matéria específicos. O estupro em si ficou apagado das questões, apesar da revitimização de vítimas de violência sexual ser constante na justiça brasileira. 

Embora o tema tenha sido bastante comentado, pouco se foi aprofundado – abordagem que poderia aumentar a criticidade da população. O atual contexto de política de saúde brasileiro é apavorante, mesmo com a pandemia de COVID-19, o Sistema Único de Saúde (SUS) continuou duramente atacado pelo governo neoliberal de Bolsonaro. Com isto, setores contrários à gestão de Bolsonaro reforçaram o lema: “Defenda o SUS”. Como toda defesa militante, mostra-se necessária uma compreensão de quais os motivos da luta. Uma organização que atrele teoria e à prática. A defesa do SUS nas redes sociais tendeu a se limitar a uma frase em si, sem maior proposito educativo. O sistema de saúde brasileiro é complexo, tendo em sua construção a compreensão de políticas públicas, ciências da saúde, saberes populares, administração pública entre outros conhecimentos. É pertinente ter entendimento de tamanha complexidade para se criar a práxis de defesa do sistema, que precisa ser de todos os moradores do país. O esvaziamento do discurso em seu aspecto conteudístico facilita que a pauta seja cooptada por setores mais conservadores, como é o caso do ex-Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que se posiciona como defensor do SUS; apesar de que, durante o pouco mais de um ano de sua gestão, atuou pelo seu desmonte. 

Inclusive, no contexto da ameaça da pandemia, Mandetta retirou recursos para o Núcleo Ampliado de Atenção à Família, o que enfraqueceu a Atenção Básica à Saúde – a qual, dentre outras funções, trabalha com a saúde preventiva. Redes sociais como um meio de formação política, para fins de transformação As redes sociais têm se mostrado um importante espaço para política, a emergência de temas deliberados a partir de sua mediação pode auxiliar aos debates de pautas e aproximação de novos militantes ou apoiadores das lutas construídas. 

Também auxiliando na organização de mobilizações, ampliando a comunicação entre grupos que estão distantes fisicamente. Ideias contra-hegemônicas que visam a emancipação de todos os sujeitos humanos não podem ser debatidas de forma rasa, tendo em consideração que as ideias hegemônicas estão disseminadas no senso comum. A politização dos sujeitos é necessária para que compreendam suas opressões e elaborem estratégias de luta para transformação social. As redes sociais estruturam-se em plataformas digitais sob o controle de interesses privados, porém podem ser utilizadas para difusão de ideias, valores e concepções de mundo progressistas. Porém, não se deve cair em imediatismos e não podemos nos desvincular de horizontes a médio e longo prazo.

Carolina de Mendonça

Colunista

Estudante de psicologia, amante de utopias e com grandes flertes com o cinema.

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