Rock alternativo em terra de sertanejo universitário

Estabelecimentos alternativos de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, lidam com dificuldades em permanecer abertos.  A colunista Vitória Regina conversou com o vocalista da banda “Naufrágil”, João Benitez, sobre espaços alternativos, arte e música em cidade onde sertanejo universitário encontra solo fértil

Por Vitoria Regina 
Colaborou Leopoldo Neto

Em Campo Grande (MS), o sertanejo universitário faz sucesso entre o público da cidade. Os bares e as baladas sertanejas sempre funcionam tranquilamente, sem qualquer interrupção por parte dos órgãos responsáveis pela fiscalização de estabelecimentos. Em contrapartida, ambientes alternativos à cultura sertaneja vivem em constante situação de instabilidade. Antes da quarentena, tais locais lidavam constantemente com a interrupção da polícia em atividades culturais.

Diante disso, resolvi bater um papo com João Benitez, vocalista da banda Naufrágil – e meu colega de curso de Psicologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – sobre como é produzir e tentar ganhar espaço na terra dos Reis do Agronegócio, como diria Chico César.

João, por que ‘Naufrágil’?

Quando estávamos escolhendo nomes para banda eu pensei em “Naufrágio” porque queria algo de trágico pra combinar com nossos temas, nossa estética. Daí na hora o Higor Müller sugeriu o homofônico “Naufrágil” que traz a mesma ideia, mas além disso tem esse significante da fragilidade, que também é muito presente nas músicas.

A banda, atualmente, é composta por quem?

Atualmente somos só eu e o Alberto Warmling. Estamos à procura de guitarrista.

Eu vi a banda se formando no curso de Psicologia e queria saber se há alguma influência dos anos em que passamos sentados na sala do bloco VI. Caso haja, queria que você falasse um pouco a respeito.

Sem dúvidas, foi ali que tudo começou. Eu, o Alberto e o Higor  trocando referências, batendo papo, ouvindo música. Se não fossem aqueles espaços entre aulas e, claro, as pausas pro cigarro (das quais minha entrevistadora era frequentadora assídua) acho que não teríamos a banda. Sem falar que o ambiente do curso de psicologia com certeza contribuiu para minha formação como um letrista interessado na condição humana.

O primeiro single da banda, balada do homem ridículo, é sobre afeto ou sobre desilusão?

Acho que é sobre os dois. Dá pra sentir que é o motor dela é a desilusão, o sentimento de não ter sido capaz de alcançar outra pessoa; mas ao mesmo tempo não tem aquela atitude de atribuição de culpa, típica dos ressentidos. É mais um reconhecimento da própria parcela de responsabilidade nesse fracasso e, posso estar errado, mas acho que isso também pode ser lido como um ato de amor.

Como tem sido o processo criativo de vocês durante essa quarentena? Vocês têm produzido?

Temos certa experiência em tocar nosso projeto mesmo sem poder ficar se encontrando, fizemos muito disso no começo da banda. Estamos trocando ideias, traçando os rumos, aperfeiçoando nosso material. Ou seja, fazendo tudo o que uma banda pode fazer que não seja tocar. Independente de decretos, só vamos fazer shows quando isso não for mais risco de vida.

Como era, antes da pandemia, trabalhar com rock alternativo em uma cidade onde o sertanejo predomina?

O underground é aquela coisa, quando você entra nessa já sabe que vai tocar para as moscas muitas vezes. Até aí tudo bem, faz parte. Acho que o que eu não esperava encontrar era tanta indisposição dos órgãos em geral com a nossa cena. Cansamos de ver bares alternativos fechar em toda parte e por todos os motivos imagináveis. Tô falando de bares que enchiam toda semana, que tinham um público consumidor fiel e não conseguiram se manter. Já passamos por uma situação de a polícia entrar no estabelecimento e interromper nossa passagem de som às seis da tarde porque tinha vizinho reclamando da altura. É difícil. Mais do que ganhar espaço com sua qualidade musical aqui você tem que lutar pelo simples direito de tocar e ser ouvido.    

Por outro lado, é bom ver que tem muita gente do lado de cá. As bandas novas surgem, o público muitas vezes comparece, os bares insistem em deixar a gente tocar. Tem toda uma classe interessada em manter esse tipo de cultura viva aqui na cidade, por mais difícil que seja.

Há algum plano concreto para o futuro?

Lançar um EP.

Você tem algum ritual na hora de compor?

Sofrer é um ritual? Falo isso brincando, mas é pra dizer que é um processo lento e penoso mesmo. Compor pra mim não é fácil, é uma coisa bem artesanal, tenho que filtrar muita besteira antes de chegar em algo que considero verdadeiro. Eu vi uma entrevista da Leci Brandão em que ela se diz uma compositora intuitiva, que quando Deus manda uma música pra ela já manda inteira. Achei bonito aquilo. Nesse caso, sou um compositor contraintuitivo, tenho que achar a canção pedaço por pedaço.

Por fim, quais são as influências musicais da banda?

Cada um de nós tem as próprias referências que acabam respingando, eu sou louco por Nina Simone e o Alberto por Nick Cave. Mas acho que o som da banda é principalmente influenciado por Einstürzende Neubaten, Tom Waits, Bauhaus, The Antlers, Lou Reed. Isso pra citar alguns, toda semana descobrimos coisa nova. Mas essa galera aí já é uma trilha sonora digna de naufrágios (risos).

João, gostaria de te agradecer pela disponibilidade e desejar sucesso, seja lá o que isso significa. Nós dois sabemos que Mato Grosso do Sul é um lugar inóspito para quem executa um projeto alternativo e/ou independente. Obrigada!

Eu que agradeço o espaço. Admiro muito seu trabalho e desejo o mesmo pra você. Até a próxima!

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Vitória Regina

Colunista

Marxista e psicóloga em formação. Debate política, psicologia e cultura.

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