Alegria com requinte de crueldade

Por Guilherme Correia
Colaborou Adrian Albuquerque

O Pacaembu recebeu um dos mais inflamados clássicos do futebol brasileiro na manhã de sábado (25). A final da Copa São Paulo de Futebol Júnior, a Copinha, ficou marcada pelo talento dos jovens no duelo gaúcho. O Internacional lutou pelo quinto título e o Grêmio tentava pela primeira vez a conquista – o Colorado chegou ao empate no tempo normal e venceu nos pênaltis.

Os dois clubes são responsáveis por revelar muitos jogadores que atuam em diversas ligas em todo o mundo. Arthur, ex-tricolor, usa a 8 de Iniesta no Barcelona. Alisson, ex-colorado, é o atual melhor goleiro do mundo pelo Liverpool. O futebol brasileiro como um todo exporta material humano de qualidade há décadas.

Os garotos deste grenal e outros tantos jovens sustentam a tradicional disputa. Quase todos costumam representar a única alternativa de estabilidade financeira de diversas famílias. Por trás dos rostos alegres dos campeões deste ano, e do semblante triste dos tricolores gaúchos, reside a dura realidade do esporte.

Para além das cobranças em obter destaque nas partidas, a base brasileira como um todo sofre de falta de atenção necessária – até mesmo básica. É impossível não citar o Ninho,  que em fevereiro de 2019, marcou o mundo com a morte de 10 garotos em incêndio nos alojamentos do Clube de Regatas do Flamengo. O caso é exemplar porque foi logo o clube com melhor saúde financeira do Brasil, centro de treinamento a nível europeu, e com resultados expressivos dentro de campo, o protagonista da atrocidade.

À época, a tragédia expunha a negligência e precariedade com a falta de licenças corretas para o alojamento de jovens no Ninho do Urubu. Em entrevista ao portal Terra, um gestor de futebol de base anônimo explicou que em geral, os alojamentos funcionam como caixas pretas, que quando abertas costumam revelar um submundo de gambiarras e ilegalidades.

Como um clube de futebol, com tanto investimento, patrocínio, e retorno financeiro, é capaz de proporcionar tamanha falta de cuidado? Há quem diga que exista até um sentimento de que dar melhores condições aos jovens atletas da base representaria uma “mordomia precoce”.

Atletas jovens deixam suas casas, famílias, amigos e ficam sob responsabilidade dos clubes, sempre com ansiedade e medo de “sobrar numa peneira” – serem descartados. O futebol proporciona muitos momentos de alegria, mas guarda requintes de crueldade.

Ao mesmo tempo em que o goleiro do Internacional, Emerson, evitava investidas dos gremistas Luis Fernando e Rildo, em outro lugar no país, profissionais que lidam com a base assediam jovens garotos como predadores em busca de carne. Primeiro é uma chuteira nova, depois uma camisa do time de coração, em seguida vão para os pais. Promessas, quantias em dinheiro, favores.

Tiram o filho do seio familiar sob alegação de que pode haver um retorno prático. Um jogador arrebenta, se destaca, e ganha uma vida de privilégios. Tantos outros não cumprem a expectativa e se vêem longe de casa, da família, sem educação, sem formação e sem perspectiva. Estar fora do futebol é tão difícil quanto estar dentro, em campo.

O gol feito na segunda etapa da final pelo Grêmio teve origem no cruzamento de Fabrício, mas foi no contato com o zagueiro adversário Tiago Barbosa, que se concretizou. A partida repercutiu no Brasil inteiro. O gol foi visto e revisto por milhares de pessoas. Não há como saber ao certo que se passa na cabeça de um jovem que marca um gol contra a própria equipe em plena final com o maior rival.

Cinco minutos depois, a resposta veio do Inter. Monteiro, na esquerda, cruzou para área e consagrou Guilherme Pato, que em frações de segundos, numa disputa física com a marcação acirrada, tocou a bola com a coxa e empatou a partida. Com o empate, o jogo foi para a disputa de pênaltis. Nas batidas, prevaleceu a frieza dos colorados. Inter campeão.

Não é intenção deste texto desvalorizar ou criticar a Copinha, que oportuna todos os anos, e encanta com nível técnico promissor. A edição com 12 “Riquelmes”, inspirados no craque argentino, por exemplo, presenteou o mês de janeiro com algumas boas atuações dos garotos, e proporcionou uma série de momentos que remontam ao futebol de várzea. Mas cabe a reflexão para as condições de tantos jovens que dependem do futebol, e só dele, para viver.

Guilherme Correia

Repórter e Subdiretor de arte

Estudante de jornalismo. Entusiasta de muitas coisas, do futebol ao audiovisual. Interessado em educação, cultura e pautas sociais.

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