Há 189 anos, morria Líbero Badaró

Por Leopoldo Neto e Mylena Fraiha
Colaborou Norberto Liberator

20 de novembro de 1830. Em uma rua deserta da pequena capital da província de São Paulo, ouve-se um tiro de pistola. Pessoas correm para ajudar um jovem rapaz que se encontra ensanguentado. É o doutor Líbero Badaró. No dia seguinte, ele não resiste aos ferimentos e falece. Morte encomendada pelo ouvidor Cândido Japiassú por motivos políticos.  

Giovanni Battista Libero Badarò (posteriormente aportuguesado para João Batista Líbero Badaró) nasceu em Laigueglia, pequena cidade italiana localizada na província de Savona. As influências para o seu futuro trabalho intelectual iniciaram-se a partir da convivência com a família. 

Seu pai, Andrea Badarò, além de ocupar a função de médico, possuía ideais liberais e manteve uma vida política ativa na Itália. O filho herdou de Andrea a paixão pelos estudos, a vontade de ser médico, assim como o engajamento pela liberdade – engajamento este que se cristalizou em seu nome: a origem etimológica de “Líbero” vem de “liberdade”, ideia que percorreu sua breve trajetória e custou-lhe a vida.

O jovem se formou em Medicina ainda na Itália. Em quatro de agosto de 1825 concluiu seus estudos na Universidade de Turim. Entretanto, foi no Brasil que o intelectual acabou por travar suas batalhas de luta por justiça, liberdade e participação política popular. Badaró chegou ao Brasil, mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, em 1826. O médico era um entre milhares de imigrantes europeus que se mudaram para países da América do Sul, devido às crises políticas e econômicas em seus países. 

Após dois anos na capital fluminense, muda-se para São Paulo. É na cidade paulista que ele passa a ter maior participação na vida política, ao conviver com intelectuais influenciados pelo que, à época, era chamado de liberalismo político, ideologia que baseou os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa.

No Brasil, o jovem italiano começou a mostrar suas preocupações nos âmbitos social e humanitário. Ao tomar conhecimento do problema  da varíola, doença que à época fazia muitas vítimas, ofereceu às autoridades seu trabalho como médico – assim como a vacina, preparada por ele mesmo. O médico passou a se tornar conhecido e respeitado na cidade que ainda possuía população com cerca de nove mil pessoas. Quem não tinha condições de pagar por tratamento médico, recebia auxílio gratuito do jovem estrangeiro.

Em março de 1828, aconteceu um momento importante e decisivo para os rumos que Badaró tomaria. Naquele ano, foi inaugurado o primeiro Curso Jurídico do Brasil – programa que deu origem ao curso de Direito da tradicional faculdade Largo do São Francisco. Devido à falta de professores em algumas disciplinas importantes, Badaró espontaneamente se voluntariou para dar aulas de Geometria. O intelectual, com o espírito jovem, contaminou-se com a energia dos alunos, que passaram a enxergá-lo como amigo. O dinamismo presenciado no ambiente acadêmico influenciou intelectualmente o mestre. Sua residência tornou-se uma extensão da universidade e contava com a presença de vários estudantes.

O contexto sócio-político brasileiro estava agitado. Discussões sobre os problemas que o Brasil enfrentava tornaram-se frequentes e acaloradas. É a partir desse ambiente, cercado pela juventude e rico em discussões, que Badaró começa a pensar na criação de um jornal na cidade de São Paulo. Nasce daí o Observador Constitucional, periódico de caráter liberal e progressista.

Ele contou com a ajuda de José da Costa Carvalho, dono do único jornal existente em São Paulo à época, O Farol Paulistano. A impressão do Observatório Constitucional passou a ser realizada juntamente ao periódico de Carvalho. Sua primeira edição ocorreu em 23 de outubro de 1829 e foi bem recebido tanto pelo público quando pela imprensa liberal carioca. A linha editorial do jornal tecia duras críticas ao governo de Dom Pedro I, além de despertar o espírito de combate nos liberais e causar incômodo nas autoridades.

Ilustração mostra Líbero Badaró lendo jornal

Os conflitos no plano político passaram a se intensificar. Ainda em 1829, o magistrado Dr. Cândido Ladislau Japiassú foi nomeado para assumir o cargo de ouvidor do estado de São Paulo. Em um movimento de natureza reacionária, Japiassú foi responsável por presidir o júri no processo que acusava o jornal O Farol Paulistano – do deputado José da Costa Carvalho – de abuso da liberdade da imprensa, devido à publicação de críticas contra um ex-ministro. 

Em consonância com a linha editorial de Costa Carvalho, o jornal de Libero Badaró fez críticas contundentes ao autoritarismo do governo de Dom Pedro I. Em uma série de artigos, o Observador Constitucional defendia e reafirmava o direito à liberdade da imprensa, básico para os liberais de todos os tempos. Os jornalistas liberais também defendiam o rompimento com o despotismo de representantes lusitanos.

Todos esses acontecimentos resultaram na trágica morte do jornalista italiano. Japiassú foi o principal suspeito do homicídio. Acredita-se que o ouvidor contava com a tutela de Dom Pedro I. O assassinato de Badaró foi a faísca necessária para iniciar revoltas populares. Sua influência e importância social intensificou o sentimento de revolta no povo. Meses depois, especificamente no dia 13 de março de 1831, uma multidão de pessoas de diferentes grupos sociais tomou ruas do Rio de Janeiro para defender o fim do governo de D. Pedro I.

Conhecido como A Noite das Garrafadas, o levante foi motivado pelo autoritarismo do imperador, pelos ataques à liberdade de imprensa, pelo fechamento da Assembleia Nacional Constituinte com a outorga da Constituição em 1824 e, também, devido ao crescimento do sentimento antilusitano. Mais tarde, o Forte do Barbalho (em Salvador) também foi tomado por um movimento popular. O contexto de ebulição política e social – marcada de forma significativa pelo assassinato de Líbero Badaró – contribuiu para a abdicação de D. Pedro I, no dia sete de abril de 1831. A data passou a ser o Dia do Jornalista no Brasil.

Mylena Fraiha

Editora-executiva

Jornalista e pesquisadora em comunicação. Possui interesse nas áreas de meio ambiente, política e direitos humanos, além de produções audiovisuais.

Norberto Liberator

Editor-chefe

Jornalista, ilustrador e cartunista. Interessado em política, meio ambiente e artes. Autor da graphic novel “Diasporados”.

leopoldo neto

Editor-chefe

Jornalista e mestrando em Comunicação. Possui interesse em jornalismo político, científico e cultural. Busca explorar o formato podcast.

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