Entrevista: Humberto Amaducci

Ex-prefeito de Mundo Novo é candidato a presidente do PT em MS

Entrevista: Norberto Liberator

Com a experiência de três mandatos como prefeito de Mundo Novo, município sul-mato-grossense na divisa com o Paraná e fronteira com o Paraguai, Humberto Amaducci é um quadro histórico do PT em Mato Grosso do Sul. Atual vice-presidente da legenda no estado, o professor e bancário tem em sua origem a luta pela agricultura familiar e reforma agrária. 

Foi assessor do orçamento participativo durante o mandato da prefeita petista Dorcelina Folador, assassinada em 1999 por se opor a oligarquias políticas locais. Considerado herdeiro político de Dorcelina, Amaducci implantou o orçamento participativo em 100% da receita municipal.

Em 2018, Humberto assumiu a missão de representar o 13 como candidato a governador de Mato Grosso do Sul, estado onde Jair Bolsonaro teve 65,22% dos votos. Era o momento de maior crise da história do PT, com Lula preso e ampla perseguição midiática ao partido, que chegou a ter sua morte política anunciada por veículos da imprensa hegemônica.

Atualmente, Humberto Amaducci encara um novo desafio: ser candidato à presidência do PT de Mato Grosso do Sul. Seu nome foi definido pela corrente Articulação de Esquerda para a disputa do Processo de Eleição Direta (PED). Conversamos com o ex-prefeito para entender suas propostas e objetivos.

Badaró: Hoje se costuma falar muito em frente ampla e democracia contra o fascismo. Alguns setores do PT defendem, inclusive, que a frente ampla se amplie ainda mais e não se radicalize o projeto do partido à esquerda. Como você avalia esse tipo de posicionamento e que rumos você acha que o partido precisa tomar, se é mais à esquerda ou mais frente ampla?

Humberto Amaducci: Existe, na realidade, alguma confusão hoje na cabeça de alguns companheiros e companheiras do PT. É óbvio que a defesa da democracia foi muito importante, muito fundamental nesse último período desse avanço do fascismo em nosso país. Porém, nós temos que ter alguns cuidados. Quem pariu a extrema direita foi a direita!

Então existe hoje essa dificuldade pra nós, que nós temos que compreender e os companheiros do PT também. Eu costumo dizer, por onde eu ando, pelo Mato Grosso do Sul, fazer um grande mutirão para que a gente empurre o PT para a esquerda. O PT precisa ir mais à esquerda para que a gente possa de fato contribuir não só com o nosso partido, mas com o próprio governo, nosso presidente Lula que precisa.

E essa frente ampla, se nesse momento já traz alguns prejuízos para o governo e para a própria esquerda, se ampliar ainda mais, vai aumentar, vai aprofundar ainda mais esse prejuízo. Então nós defendemos um PT à esquerda e também um governo no próximo período, que a gente também consiga fazer esse grande mutirão de ir para a esquerda.


Hoje na disputa interna do PED em Mato Grosso do Sul, há três chapas concorrendo. Uma formada por várias correntes, uma de independentes e uma da Articulação de Esquerda. Por que a AE optou por ter uma chapa própria e não integrar o chamado chapão?

Olha, nós da Articulação de Esquerda, mais uma vez, nós temos a compreensão e entendemos que é o momento. Nós realizamos dois congressos, várias reuniões, fizemos muitos debates, onde nós chegamos à conclusão que é o momento da gente debater e discutir o PT. E nada melhor que o PT, porque na nossa avaliação, esse processo de eleição direta do PT é fundamental, demonstra para toda a sociedade que o Partido dos Trabalhadores é o único partido desse país que tem uma democracia interna fantástica. 

O problema, muitas vezes, é que as nossas direções não conseguem levar para os nossos filiados, para a nossa militância, o funcionamento dessa democracia interna, até para os companheiros poderem se posicionar dentro do PT. Então, cabe a nós, enquanto dirigentes, a gente fazer esse trabalho de estar levando agora, nesse momento, pra nossa militância.

Como que funciona? Veja bem. No dia 6 de julho, o filiado do PT, ele vai estar votando pro presidente municipal, pra chapa municipal, pro presidente estadual, pra chapa estadual, pro presidente nacional e pra chapa nacional. Ou seja, a responsabilidade dos nossos filiados é muito grande diante da democracia interna do Partido dos Trabalhadores.

Como você avalia a aliança com o governo Riedel e a permanência, mesmo após as declarações deste a favor dos golpistas no 8 de janeiro? O PT deveria assumir o papel de liderança da oposição?

Olha, na nossa avaliação, inclusive a nossa deputada, a companheira Gleice Jane, ela vem alertando e já vem cobrando de alguns companheiros dirigentes do PT que nós, do partido, nós temos que nos afastar do governo. É óbvio que é importante a gente falar um pouco do resgate da última eleição, onde nós ficamos numa situação extremamente difícil, onde foi o segundo turno, o extremista assumido da direita e o extremista não assumido, que é o [Eduardo] Riedel. 

Com a vitória dele, que inclusive foi o Partido dos Trabalhadores, muitos militantes, muitos companheiros e companheiras votaram no menos ruim, vamos pensar assim. E houve, no momento da composição do governo, houve o convite para o Partido dos Trabalhadores fazer parte.

Na nossa avaliação, fazer parte do governo seria ocupar uma secretaria, seria ocupar alguns espaços importantes onde o PT teria condições realmente de contribuir, ajudar a definir alguns rumos desse governo. O PT na realidade nem é ouvido, né? O PT sequer é ouvido. Com esse governo assumindo, a gente percebe algumas falhas, vamos dizer assim, contra o nosso povo, contra a nossa gente. Precarização na saúde, precarização na educação, precarização na questão ambiental.

Desrespeito, onde um governador todo educado, todo tranquilo, mas vira as costas, põe a Secretaria de Segurança Pública pra agredir os nossos indígenas. Pra agredir o nosso povo sem terra, e a última… com toda a falta de respeito, e a última pra, como se diz, a gota d’água foi defender a anistia de 8 de janeiro. Então assim, para nós não tem sentido, pra nossa militância, pros petistas, fazer parte desse governo. O PT precisa, de forma urgente, imediata, preparar os quadros para a disputa eleitoral do ano que vem.

Quem vai fazer o palanque aqui para o presidente Lula é o PT. O PT tem que ter candidato a governador ou governadora. O PT tem que se preparar e fazer a campanha do companheiro Vander, senador da República, para que o Vander seja o candidato a senador do Lula, não do Riedel. Que a gente possa ter uma bancada de deputados federais e estaduais fortalecidos, para que a gente aumente e amplie a nossa bancada, tanto federal quanto estadual.

Muitos discutem no âmbito do PT e da esquerda como um todo a importância do retorno às bases. Como você avalia a importância de lideranças sociais ocuparem mais espaço no partido?

Olha, para nós é uma questão extremamente fundamental e importante. O Partido dos Trabalhadores, nós precisamos investir recursos do orçamento que a gente tem tanto a nível nacional, nós temos que ter essa compreensão,  e estadual, e nos municípios, que tem que se ter recursos destinados à formação política, à organização do PT e à comunicação. E também na juventude, para que a gente possa, junto com novas ideias, com esse pessoal, reorganizar o PT.

Na nossa avaliação, nos debates que a gente faz, nós temos, claro, o PT, nesses 45 anos de vida, construiu um passado fantástico, não é? O que seria da nação brasileira sem o PT? O que seria do país sem o Partido dos Trabalhadores? Em que pesem as dificuldades, os erros cometidos, mas o PT contribuiu muito com a nação e com o povo brasileiro, principalmente os mais humildes.

Nós precisamos pensar o PT daqui pra frente. E como que a gente pensa isso? Como que nós vamos pensar o PT daqui pra frente? Organização. O PT tem que estar organizado em todos os municípios. Uma coisa é fazer campanha com o companheiro Lula. Nós temos que compreender que o ano que vem… O Lula vai viver mais uns 200 anos. Mas com certeza o ano que vem é a última eleição do companheiro.

Vai ser o último debate político que o companheiro vai estar enfrentando. Então nós temos que nos preparar, o PT, para fazer a campanha sem o Lula. E fazer a campanha sem o Lula, organicidade, disciplina, deputados, senadores, quem ocupa mandatos, assessorias.

Tem que sair da zona de conforto. Conversar com os movimentos populares, buscar debate nos sindicatos e nos assentamentos, nos acampamentos. Conversar com a nossa gente, com o nosso povo nas aldeias indígenas, fazer o grande debate que tem que ser feito. E uma questão principal na minha avaliação, respeitar a militância.

O PT tem que participar da vida política nos anos ímpares também, não só nos anos pares.  Tem que estar dialogando com a militância, conversando, respeitando chamando a militância a participar das disputas eleitorais,  porém respeitando a militância também quando a gente ocupa cargo, ganha prefeituras, ganha Estado, ganha o país,  que essa militância também possa estar fazendo parte do governo para ajudar a administrar também.

E como você acha que a sua experiência como prefeito em três mandatos e na militância pode contribuir como presidente do partido?

Olha, eu já disputei nove eleições na minha vida, todas pelo Partido dos Trabalhadores, partido que eu escolhi para me filiar e estou nele  e vou permanecer até por conta [de que] não vejo um outro partido que seja um instrumento de fato da luta da classe trabalhadora. Uma experiência fantástica que eu tive, e tenho tranquilidade sempre em dizer, foi no orçamento participativo. 

Quando a Dorcelina foi prefeita da cidade de Mundo Novo, nos dois anos e dez meses de administração, ela me convidou e eu participei da Organização da Participação Popular no município de Mundo Novo. Eu aprendi muito. Uma das coisas que eu aprendi muito foi que quanto mais a gente escuta, menos a gente erra. Não que nós não vamos errar, mas a gente vai errar bem menos.

Então nós precisamos voltar a conversar. Por três vezes nós governamos a cidade de Mundo Novo. 100% da participação popular. Onde se tinha grandes debates, grandes cobranças. Porque quando você fala em participação popular, você cria mais um instrumento de cobrança. Então é importante ter claro isso e a militância do PT, a nossa militância, quer participar, quer dar sugestão, quer cobrar. O petista está esparramado por todo o país, por todo o Estado. A direção do PT tem que chegar nessas pessoas de forma organizada para que elas possam tá nos ajudando a fazer o enfrentamento dos grandes desafios que nós vamos ter pela frente.

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2 Comments

  • Esse é um companheiro que merece nossa confiança.

  • Brilhante entrevista!!!
    Quadro histórico do PT e observador das origens e compromissos históricos do partido. Certamente fará uma excelente gestão frente ao Diretório Estadual.

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