Entrevista: Humberto Amaducci
- 29 de maio de 2025
Ex-prefeito de Mundo Novo é candidato a presidente do PT em MS
Entrevista: Norberto Liberator
Com a experiência de três mandatos como prefeito de Mundo Novo, município sul-mato-grossense na divisa com o Paraná e fronteira com o Paraguai, Humberto Amaducci é um quadro histórico do PT em Mato Grosso do Sul. Atual vice-presidente da legenda no estado, o professor e bancário tem em sua origem a luta pela agricultura familiar e reforma agrária.
Foi assessor do orçamento participativo durante o mandato da prefeita petista Dorcelina Folador, assassinada em 1999 por se opor a oligarquias políticas locais. Considerado herdeiro político de Dorcelina, Amaducci implantou o orçamento participativo em 100% da receita municipal.
Em 2018, Humberto assumiu a missão de representar o 13 como candidato a governador de Mato Grosso do Sul, estado onde Jair Bolsonaro teve 65,22% dos votos. Era o momento de maior crise da história do PT, com Lula preso e ampla perseguição midiática ao partido, que chegou a ter sua morte política anunciada por veículos da imprensa hegemônica.
Atualmente, Humberto Amaducci encara um novo desafio: ser candidato à presidência do PT de Mato Grosso do Sul. Seu nome foi definido pela corrente Articulação de Esquerda para a disputa do Processo de Eleição Direta (PED). Conversamos com o ex-prefeito para entender suas propostas e objetivos.
Badaró: Hoje se costuma falar muito em frente ampla e democracia contra o fascismo. Alguns setores do PT defendem, inclusive, que a frente ampla se amplie ainda mais e não se radicalize o projeto do partido à esquerda. Como você avalia esse tipo de posicionamento e que rumos você acha que o partido precisa tomar, se é mais à esquerda ou mais frente ampla?
Humberto Amaducci: Existe, na realidade, alguma confusão hoje na cabeça de alguns companheiros e companheiras do PT. É óbvio que a defesa da democracia foi muito importante, muito fundamental nesse último período desse avanço do fascismo em nosso país. Porém, nós temos que ter alguns cuidados. Quem pariu a extrema direita foi a direita!
Então existe hoje essa dificuldade pra nós, que nós temos que compreender e os companheiros do PT também. Eu costumo dizer, por onde eu ando, pelo Mato Grosso do Sul, fazer um grande mutirão para que a gente empurre o PT para a esquerda. O PT precisa ir mais à esquerda para que a gente possa de fato contribuir não só com o nosso partido, mas com o próprio governo, nosso presidente Lula que precisa.
E essa frente ampla, se nesse momento já traz alguns prejuízos para o governo e para a própria esquerda, se ampliar ainda mais, vai aumentar, vai aprofundar ainda mais esse prejuízo. Então nós defendemos um PT à esquerda e também um governo no próximo período, que a gente também consiga fazer esse grande mutirão de ir para a esquerda.
Hoje na disputa interna do PED em Mato Grosso do Sul, há três chapas concorrendo. Uma formada por várias correntes, uma de independentes e uma da Articulação de Esquerda. Por que a AE optou por ter uma chapa própria e não integrar o chamado chapão?
Olha, nós da Articulação de Esquerda, mais uma vez, nós temos a compreensão e entendemos que é o momento. Nós realizamos dois congressos, várias reuniões, fizemos muitos debates, onde nós chegamos à conclusão que é o momento da gente debater e discutir o PT.
E nada melhor que o PT, porque na nossa avaliação, esse processo de eleição direta do PT é fundamental, demonstra para toda a sociedade que o Partido dos Trabalhadores é o único partido desse país que tem uma democracia interna fantástica.
O problema, muitas vezes, é que as nossas direções não conseguem levar para os nossos filiados, para a nossa militância, o funcionamento dessa democracia interna, até para os companheiros poderem se posicionar dentro do PT. Então, cabe a nós, enquanto dirigentes, a gente fazer esse trabalho de estar levando agora, nesse momento, pra nossa militância.
Como que funciona? Veja bem. No dia 6 de julho, o filiado do PT, ele vai estar votando pro presidente municipal, pra chapa municipal, pro presidente estadual, pra chapa estadual, pro presidente nacional e pra chapa nacional. Ou seja, a responsabilidade dos nossos filiados é muito grande diante da democracia interna do Partido dos Trabalhadores.
É importante compreender o surgimento do PT. O Partido dos Trabalhadores, na década de 80, surge do chão da fábrica. Trabalhadores sindicalistas; metalúrgicos; setores da Igreja Católica; intelectualidade; músicos, o pessoal da cultura, que a ditadura militar reprimia demais, então esse setor veio… setor do campesinato, o pessoal que lutava pela reforma agrária, que eram os campesinos, também tiveram acesso ao PT.
Enfim, setores políticos. Naquela época só tinha Arena e MDB, e aí setores do MDB vieram para o PT… Eduardo Suplicy, por exemplo, veio para o Partido dos Trabalhadores pelo MDB. Ou seja, o PT nessa década acabou se tornando um grande guarda-chuva. Setores da guerrilha também, do Araguaia: José Genoíno…
E isso começou a criar alguns problemas dentro do PT, que ficou, dá a impressão de vários partidos dentro do PT. Veio a ideia, final da década de 80, início da década de 90, surge a regulamentação das tendências. O PT achou a fórmula para organizar isso, cada tendência com ação além de pensamento, escrevia-se teses, fazia-se debates, congressos, plenárias…
Enfim, havia um grande debate dentro do PT. A tese vencedora, o pensamento sairia, poderia ter emendas, poderia ter, então saía um documento onde basicamente [se] agradava a quase todos os militantes do PT. Com o tempo, o que aconteceu? Hoje, infelizmente, as tendências foram dominadas pelos mandatos. Você percebe que as tendências pararam de escrever documentos, pararam de debater, isso é muito ruim.
E quando surgiu a proposta do Chapão, pra que a gente fizesse o único chapão, a candidatura única, e resolvesse logo de cara os cargos dentro da Executiva, a avaliação que nós fizemos dentro da nossa tendência, da Articulação de Esquerda, com a participação da companheira Gleice Jane, nossa deputada, do Elias Ishy de Dourados, vereadores e vereadoras que o partido e que a tendência têm, nós chegamos à conclusão que era muito ruim deixar a militância do PT fora desse debate.
A construção desse chapão basicamente tiraria toda a militância de fazer esse debate que nós estamos fazendo. De forma fraterna. Nós temos que ter a compreensão, nós temos que nos respeitar, que nós temos pensamentos e linhas diferentes. O inimigo não está dentro do PT, nós temos bem claro isso, porém, entre nós, nós temos que ter coragem de olhar no olho dos companheiros e dizer as dificuldades e aquilo que a gente espera do PT.
E nós esperamos um PT, volto a insistir, um grande mutirão, independentemente de tendências dentro do PT. O PT está acima das tendências. É isso que nós temos que compreender. Um grande mutirão para que a gente consiga empurrar o Partido dos Trabalhadores para a esquerda.
Como você avalia a aliança com o governo [Eduardo] Riedel e a permanência, mesmo após as declarações deste a favor dos golpistas no 8 de janeiro? O PT deveria assumir o papel de liderança da oposição?
Olha, na nossa avaliação, inclusive a nossa deputada, a companheira Gleice Jane, ela vem alertando e já vem cobrando de alguns companheiros dirigentes do PT que nós, do partido, nós temos que nos afastar do governo. É óbvio que é importante a gente falar um pouco do resgate da última eleição, onde nós ficamos numa situação extremamente difícil. Onde foi o segundo turno: o extremista assumido da direita e o extremista não assumido, que é o Riedel.
Com a vitória dele, que inclusive foi o Partido dos Trabalhadores, muitos militantes, muitos companheiros e companheiras votaram no menos ruim, vamos pensar assim. E houve, no momento da composição do governo, o convite para o Partido dos Trabalhadores fazer parte.
Na nossa avaliação, fazer parte do governo seria ocupar uma secretaria, seria ocupar alguns espaços importantes onde o PT teria condições realmente de contribuir, ajudar a definir alguns rumos desse governo. O PT na realidade nem é ouvido, né? O PT sequer é ouvido. Com esse governo assumindo, a gente percebe algumas falhas, vamos dizer assim, contra o nosso povo, contra a nossa gente. Precarização na saúde, precarização na educação, precarização na questão ambiental.
Desrespeito, onde um governador todo educado, todo tranquilo, mas vira as costas, põe a Secretaria de Segurança Pública pra agredir os nossos indígenas. Pra agredir o nosso povo sem terra, e a última… com toda a falta de respeito, e a última pra, como se diz, a gota d’água foi defender a anistia de 8 de janeiro. Então assim, para nós não tem sentido, pra nossa militância, pros petistas, fazer parte desse governo. O PT precisa, de forma urgente, imediata, preparar os quadros para a disputa eleitoral do ano que vem.
Quem vai fazer o palanque aqui para o presidente Lula é o PT. O PT tem que ter candidato a governador ou governadora. O PT tem que se preparar e fazer a campanha do companheiro Vander [a] senador da República, mas para que o Vander seja o candidato a senador do Lula, não do Riedel. Que a gente possa ter uma bancada de deputados federais e estaduais fortalecidos, para que a gente aumente e amplie a nossa bancada, tanto federal quanto estadual.
Muitos discutem no âmbito do PT e da esquerda como um todo a importância do retorno às bases. Como você avalia a importância de lideranças sociais ocuparem mais espaço no partido?
Olha, para nós é uma questão extremamente fundamental e importante. O Partido dos Trabalhadores, nós precisamos investir recursos do orçamento que a gente tem tanto a nível nacional, nós temos que ter essa compreensão, e estadual, e nos municípios, que tem que se ter recursos destinados à formação política, à organização do PT e à comunicação. E também na juventude, para que a gente possa, junto com novas ideias, com esse pessoal, reorganizar o PT.
Na nossa avaliação, nos debates que a gente faz, nós temos claro que o PT, nesses 45 anos de vida, construiu um passado fantástico, não é? O que seria da nação brasileira sem o PT? O que seria do país sem o Partido dos Trabalhadores? Em que pesem as dificuldades, os erros cometidos, mas o PT contribuiu muito com a nação e com o povo brasileiro, principalmente os mais humildes.
Nós precisamos pensar o PT daqui pra frente. E como que a gente pensa isso? Como que nós vamos pensar o PT daqui pra frente? Organização. O PT tem que estar organizado em todos os municípios. Uma coisa é fazer campanha com o companheiro Lula. Nós temos que compreender que o ano que vem… O Lula vai viver mais uns 200 anos. Mas com certeza o ano que vem é a última eleição do companheiro.
Vai ser o último debate político que o companheiro vai estar enfrentando. Então nós temos que nos preparar, o PT, para fazer a campanha sem o Lula. E fazer a campanha sem o Lula, organicidade, disciplina, deputados, senadores, quem ocupa mandatos, assessorias.
Tem que sair da zona de conforto. Conversar com os movimentos populares, buscar debate nos sindicatos e nos assentamentos, nos acampamentos. Conversar com a nossa gente, com o nosso povo nas aldeias indígenas, fazer o grande debate que tem que ser feito. E uma questão principal na minha avaliação, respeitar a militância.
O PT tem que participar da vida política nos anos ímpares também, não só nos anos pares. Tem que estar dialogando com a militância, conversando, respeitando chamando a militância a participar das disputas eleitorais, porém respeitando a militância também quando a gente ocupa cargo, ganha prefeituras, ganha Estado, ganha o país, que essa militância também possa estar fazendo parte do governo para ajudar a administrar também.
E como você acha que a sua experiência como prefeito em três mandatos e na militância pode contribuir como presidente do partido?
Olha, eu já disputei nove eleições na minha vida, todas pelo Partido dos Trabalhadores, partido que eu escolhi para me filiar e estou nele e vou permanecer até por conta [de que] não vejo um outro partido que seja um instrumento de fato da luta da classe trabalhadora. Uma experiência fantástica que eu tive, e tenho tranquilidade sempre em dizer, foi no orçamento participativo.
Quando a Dorcelina foi prefeita da cidade de Mundo Novo, nos dois anos e dez meses de administração, ela me convidou e eu participei da Organização da Participação Popular no município de Mundo Novo. Eu aprendi muito. Uma das coisas que eu aprendi muito foi que quanto mais a gente escuta, menos a gente erra. Não que nós não vamos errar, mas a gente vai errar bem menos.
Então nós precisamos voltar a conversar. Por três vezes nós governamos a cidade de Mundo Novo. 100% da participação popular. Onde se tinha grandes debates, grandes cobranças. Porque quando você fala em participação popular, você cria mais um instrumento de cobrança. Então é importante ter claro isso e a militância do PT, a nossa militância, quer participar, quer dar sugestão, quer cobrar. O petista está esparramado por todo o país, por todo o Estado. A direção do PT tem que chegar nessas pessoas de forma organizada para que elas possam tá nos ajudando a fazer o enfrentamento dos grandes desafios que nós vamos ter pela frente.
2 Comments
Esse é um companheiro que merece nossa confiança.
Brilhante entrevista!!!
Quadro histórico do PT e observador das origens e compromissos históricos do partido. Certamente fará uma excelente gestão frente ao Diretório Estadual.