Quinzena desenhada: resumo ilustrado das últimas semanas

Eleições, reviravoltas e protestos na América do Sul; manifestações no Haiti; crise política no Líbano; líderes terroristas mortos e Bolsonaro implicado no caso Marielle: confira resumo dos últimos 15 dias 

Fábio Faria, Leopoldo Neto, Mylena Fraiha, Norberto Liberator

Ilustração mostra Alberto Fernández e Evo Morales.

Argentina, Bolívia e Uruguai: eleições e polêmicas

Em um cenário de efervescência política na América Latina, a última quinzena foi marcada por eleições presidenciais em três países, com desdobramentos em alguns casos. 

No último dia 27, argentinos e argentinas foram às urnas para eleger seus novos chefes de Estado. Com o apoio de 48,10% dos eleitores, o peronista Alberto Fernández foi eleito o novo presidente da Argentina no primeiro turno. A ex-presidente Cristina Kirchner será a vice. Ambos fazem parte da coalizão de esquerda Frente de Todos. A coligação Juntos por el cambio, do ex-presidente Maurício Macri, obteve 40,37% dos votos.

Após o mandato de quatro anos de Macri – político de centro-direita , a população argentina optou pela volta do kirchnerismo, que governou o país por mais de uma década, de 2003 a 2015. O novo governo assume no dia 10 de dezembro. Na Argentina, o mandato tem a duração de quatro anos e permite apenas uma reeleição. 

No cenário boliviano, a reeleição do presidente Evo Morales foi marcada por incertezas. Cerca de 7 milhões de eleitores foram às urnas no domingo (20/10) para eleger presidente, vice-presidente, deputados e senadores para o mandato de 2020-2025. Evo Morales, do partido Movimiento al Socialismo (MAS), foi reeleito com 47,08% dos votos. Seu opositor Carlos Mesa, da aliança política Comunidad Ciudadana (CC), teve o apoio de 36,51% do eleitorado. 

A eleição na Bolívia foi marcada por um atraso na apuração dos votos, resultado de uma falha no sistema Transmissão de Resultados Eleitorais Preliminares (TREP) – ferramenta de empresa não-boliviana que é utilizada pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia desde 2016. A oposição acusou Morales de fraude eleitoral. Após a contagem manual dos votos, a divulgação oficial do resultado foi dada no último dia 22. Diante de pressão pela auditoria do processo eleitoral, o presidente aceitou a proposta. 

Na última terça-feira (5), o chanceler Diego Pary compareceu a uma sessão extraordinária da Organização dos Estados Americanos (OEA), onde denunciou movimentos que teriam objetivo de praticar um golpe de Estado, por meio de ameaças de parar serviços públicos e de incitações à rebelião das Forças Armadas. Ele atribui  a liderança do plano a Luiz Fernando Camacho, presidente da entidade conservadora Comité Cívico Pro Santa Cruz.

Camacho, que defende uma intervenção militar, havia redigido um “ultimato” de renúncia para Evo Morales, e prometeu que o entregaria pessoalmente ao presidente. Na última terça-feira, ele foi barrado por manifestantes e não conseguiu sair do aeroporto de Santa Cruz de la Sierra para fazer sua entrega em La Paz. Ele saiu do local e conseguiu, enfim, voar no dia seguinte.

No Uruguai, a eleição será decidida em segundo turno no próximo dia 24. A primeira etapa, no último dia 27, terminou com 39,02% dos votos para Daniel Martínez, do Frente Amplio (mais conhecido no Brasil como “Frente Ampla”), coalizão de esquerda da qual faz parte o ex-presidente e senador eleito José “Pepe” Mujica. Martínez enfrentará o senador Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional (conhecido como “Blanco”), de direita, que teve 28,6%. As pesquisas apontam vitória de Lacalle Pou.

 

Ilustração mostra Sebastián Piñera fazendo gesto de pedido de calma, com as mãos cheias de sangue.

Chile: denunciado por violar direitos humanos, Piñera considera reforma constitucional

O presidente do Chile, Sebastián Piñera, afirmou em entrevista à rede BBC, nesta terça-feira (6), que não tem pretensão de renunciar ao mandato devido à onda de protestos que ocorrem no país desde o dia 18 do mês passado. Porém, o chefe de Estado declarou que admite modificações, por meio do Congresso, na Constituição Chilena.

A legislação em vigor foi elaborada em 1980, dois anos após o golpe de Estado que depôs o presidente democraticamente eleito Salvador Allende. O General Augusto Pinochet, que governou o país entre 1973 a 1990, foi responsável por implementar reformas que tinham a privatização como eixo central – o que incluiu serviços básicos como água, eletricidade, educação e saúde. 

O projeto econômico do ditador foi liderado pelo grupo de economistas conhecido como “Chicago Boys” – formado por profissionais da Universidade de Chicago, influenciados por teóricos liberais que visam a redução do Estado, como o estadunidense Milton Friedman e o austríaco Friedrich Von Hayek.

Os protestos ocorridos no Chile, iniciados com o aumento da passagem de metrô, deram início à maior crise social, política e institucional que o país enfrenta nos últimos 30 anos. Embora o presidente tenha revogado o decreto e se comprometido implementar uma agenda social no país, as manifestações ainda permanecem com força.

O número de mortos, de acordo com a última divulgação, chega a 18 pessoas. O governo afirma que o Exército utiliza o mecanismo de força quando há necessidade de manter a ordem, “devido à depredação de manifestantes”. Por outro lado, há denúncias de violação aos direitos humanos.  26 pessoas perderam a visão e 157 sofreram lesões oculares graves, após serem atingidas pelos projéteis de borracha e sprays de gás lançados por policiais e soldados.

Na última quarta-feira (6), a Justiça chilena acatou uma denúncia de crimes contra a humanidade contra Piñera, feita pelo Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH). O documento atribui ao presidente a responsabilidade pelos abusos praticados por agentes do Estado. O juiz Patrício Álvarez encaminhou o processo ao Ministério Público do Chile.

 

Ilustração mostra manifestantes com bandeiras do Líbano.

Líbano: mesmo com renúncia de primeiro-ministro, protestos continuam

Desde o último dia 17, o Líbano tem vivido uma forte onda de protestos contra as medidas econômicas do governo, que incluíram aumentos de preços na gasolina e no tabaco – cujo consumo é tradicional no país mediterrâneo. Um dos estopins para a revolta foi a cobrança diária de 20 centavos para envio de mensagens por WhatsApp.

Os milhares de manifestantes bloquearam estradas, organizaram barricadas e fizeram piquetes em frente a instituições consideradas símbolo do poder político, econômico e financeiro do País. Diante da pressão, o então primeiro-ministro Saad Hariri renunciou ao cargo, dizendo temer por sua vida e atribuindo os protestos a uma suposta “influência iraniana”.

Pelas regras do sistema parlamentarista libanês, cabe ao presidente Michel Aoun marcar uma data para novas eleições. A função de Aoun é semifigurativa e consiste em demitir ou nomear cargos, representar o País internacionalmente e convocar processos eleitorais.

Aoun, do Movimento Patriótico Livre, é cristão maronita e aliado do Hezbollah – partido muçulmano xiita que luta contra a ocupação israelense na região sul do Líbano. O ex-primeiro-ministro Saad Hariri é muçulmano sunita e pertence ao Movimento do Futuro. Seu pai, Rafik Hariri, também ocupou o cargo e foi morto em um atentado em 2005.

O Hezbollah pede moderação nos protestos. O grupo tenta sair ileso da revolta contra as instituições e direcionar as demandas a seu favor. Seu líder, Hassan Nasrallah, alertou que a desestabilização pode levar o Líbano a uma guerra civil.

Nasrallah possui ampla identificação popular, mas desde o início das manifestações, tem sido contestado em redutos de apoiadores do Hezbollah, sobretudo devido à aliança com o presidente do Parlamento, Nabih Berri, do partido xiita Amal – um dos principais alvos dos protestos, chamado de “ladrão” por manifestantes.

 

Ilustração mostra manifestantes com bandeira do Haiti.

Haiti: protestos, repressão, crise e escândalos

O Haiti passa por uma intensa onda de protestos, iniciada em março e intensificada em outubro. As manifestações começaram após denúncias de corrupção contra o presidente Jovenel Moïse, e se fortaleceram com a escassez de combustíveis, que gerou racionamento de energia e aumento de preços.

A revolta foi seguida de uma violenta repressão policial. Um balanço publicado pela ONU na última sexta-feira (1º) aponta que pelo menos 86 manifestantes ficaram feridos gravemente e 42 foram mortos. O jornalista Nehémie Joseph foi assassinado e outros nove se feriram durante a cobertura dos protestos.

Moïse foi implicado em um escândalo sobre os fundos para a iniciativa Petrocaribe – programa que distribui petróleo venezuelano a países caribenhos por um preço preferencial. A Venezuela vende o produto a um preço que vai de 5% a 50% do valor total, e o restante é dividido em até 25 anos com 1% de taxa de juros.

Ainda em 2017, uma comissão do Senado investigou onde estaria o dinheiro do fundo destinado a pagar as parcelas da dívida com o país sul-americano – e concluiu que 2,3 bilhões de dólares foram desviados. Em maio deste ano, foi realizada uma auditoria que implicou Moïse diretamente no desvio de 3,4 bilhões de dólares.

O governo Nicolás Maduro suspendeu a venda subsidiada de petróleo ao Haiti, o que gerou uma crise energética no país caribenho. Com escassez, racionamento e aumento de preços, a gestão de Moïse ficou ainda mais impopular. Os protestos aumentaram até reunir milhares de pessoas nas principais cidades, com bloqueios de ruas e barricadas, pedindo renúncia do presidente.

Em setembro, Moïse pediu “trégua” e afirmou que “não responderia a violência política com mais violência”. No entanto, reforçou os aparatos de repressão. O presidente não recuou em suas medidas e não pretende renunciar até o fim de seu mandato em 2020.

 

Ilustração mostra Abu Bakr Al-Baghdadi.

Síria: morte do chefão do Daesh e de seu braço direito

O líder do autoproclamado Estado Islâmico do Iraque e da Síria (Daesh, na sigla pejorativa em árabe), Abu Bakr Awad “Al-Baghdadi”, morreu no último dia 26, na cidade de Idlib, noroeste da Síria. Al-Baghdadi era uma das pessoas mais procuradas do mundo e havia sido o chefe do “Califado” imposto pelo grupo em terras ocupadas no Iraque e na Síria.

Imagens divulgadas pelas Forças Armadas dos Estados Unidos mostram os soldados abrindo fogo contra membros do Daesh. Em seguida, os militares se deslocam por terra para o prédio onde Al-Baghdadi estava escondido. O líder jihadista, então, se esconde em um túnel e detona um colete de bombas contra si mesmo.

No dia seguinte, Hassan Al-Muhajir, apontado como “número dois” do grupo terrorista e possível sucessor de Al-Baghdadi, foi morto por combatentes das Unidades de Defesa Popular (YPG, na sigla em curdo), grupo militar curdo que combate o Daesh na região de Rojava, norte da Síria. A morte foi confirmada pelo governo dos Estados Unidos.

Na última terça-feira (5), a irmã de Al-Baghdadi, Rasmiya Awad, foi capturada pelas Forças Armadas da Turquia. Nesta quinta-feira (7), foi a vez de uma das esposas do terrorista ser encontrada e presa. Oficiais turcos disseram que a mulher – que se identificou como Rania Mahmoud, mas segundo eles se chamaria Asma Fawzi Muhammad – forneceu informações sobre o comando do grupo.

 

Ilustração mostra mão aberta com as inscrições: "pão, leite condensado, fita com gravação, portaria".

Brasil: Bolsonaro implicado e protegido no caso Marielle

Desde a semana passada, um novo desdobramento nas investigações sobre a morte da vereadora carioca Marielle Franco (Psol) e de seu motorista, Anderson Gomes, tem levantado a possibilidade de envolvimento do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PSL), com os autores do crime.

No último dia 29, o Jornal Nacional veiculou reportagem que reproduziu o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde vivem Bolsonaro e um dos presos pelo homicídio da parlamentar, Ronnie Lessa – cuja filha já namorou o filho do presidente, Jair Renan, de acordo com o delegado Giniton Lages, responsável pela investigação.

Segundo o porteiro, alguém com a voz de “Seu Jair” teria atendido o interfone, quando Élcio Queiroz – apontado como coautor do crime – chegou ao condomínio no dia 14 de março de 2018, data do homicídio. O recepcionista anotou na planilha que o carro modelo Cobalt, que Queiroz utilizava, foi à casa número 58, onde Bolsonaro vive quando não está em Brasília.

No dia em que a matéria foi ao ar, Bolsonaro gravou uma live no Facebook, em que atacava a Rede Globo e demonstrava profundo descontrole emocional. A reportagem do Jornal Nacional, no entanto, havia mostrado que, na data do crime, o então deputado estava em Brasília e registrou presença no Congresso.

No dia seguinte, o vereador Carlos Bolsonaro (PSL), filho do presidente, publicou um vídeo no Twitter onde demonstrava ter acesso a áudios de todo o condomínio – o que é ilegal. Ele mostrou uma gravação na qual se provaria que a voz de Ronnie Lessa, e não de Bolsonaro, pede para liberarem a entrada de Élcio Queiroz. A perícia acatou a afirmação de Carlos e afirmou que o porteiro haveria mentido em depoimento.

Na última sexta-feira (1º), um laudo feito pela promotoria mostrou que a perícia não auditou o material original do sistema de gravações, mas o que foi recebido por meio de funcionários. Assim, não se levou em conta a possibilidade de adulteração ou exclusão de áudios. 

No mesmo dia, a promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) Carmem Eliza Bastos de Carvalho se afastou do caso, após ser exposta como apoiadora de Bolsonaro e depois da divulgação de uma foto em que aparece com o deputado estadual fluminense Rodrigo Amorim (PSL), que quebrou uma placa com o nome de Marielle no ano passado.

No sábado (2), Bolsonaro admitiu ter pegado áudios das ligações gravadas pela portaria. Parlamentares de oposição anunciaram que vão denunciá-lo por crime de obstrução de justiça – quando um investigado tenta atrapalhar investigações. 

Na segunda-feira (4), a Polícia Civil fluminense concluiu que o porteiro que fala na gravação divulgada por Carlos não é o mesmo que prestou depoimento. Na última quarta-feira (6), a Polícia Federal (PF) acatou pedido do ministro da Justiça, Sérgio Moro, de investigar o porteiro por crimes de obstrução de justiça, falso testemunho e denunciação caluniosa.

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